Cannabis medicinal
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A utilização da cannabis medicinal tem sido objeto de crescente interesse nos últimos anos, e sua aplicação na medicina pediátrica, em especial na neurocirurgia, não tem sido exceção. Muitos pais e médicos estão explorando a possibilidade de utilizar produtos à base de cannabis no tratamento de crianças que enfrentam condições neurológicas complexas.

cannabis e neurologia pediatrica avaliando os beneficios e riscos em pacientes mais jovens 

O papel da cannabis medicinal na medicina pediátrica

A cannabis medicinal, também conhecida como maconha medicinal, é derivada da planta de Cannabis sativa e contém compostos ativos, como o THC (tetrahidrocanabinol) e o CBD (canabidiol). O CBD, em particular, tem sido estudado por seu potencial terapêutico em uma variedade de condições médicas, incluindo epilepsia, dor crônica e transtornos neurológicos.

Benefícios potenciais

A cannabis medicinal tem demonstrado eficácia no controle de convulsões em crianças com epilepsia resistente a tratamentos convencionais. Além disso, o CBD pode aliviar sintomas como ansiedade e insônia, que são comuns em pacientes neuropediátricos.

Se levarmos em consideração as indicações médicas na neuropediatria propostas pelo FDA Americano (equivalente a ANVISA  no Brasil). Podemos utilizar produtos derivados da cannabis medicinal nas seguintes doenças neurológicas:

  • Síndrome de Dravet
  • Sindrome de Lennox-Gastaut
  • Esquizofrenia pediátrica ( considerada em pacientes de 0 a 16 anos)
  • Encefalopatia isquêmica hipóxica neonatal
  • Espasmos infantis
  • Síndrome do X frágil
  • Esclerose Tuberosa

Cannabis medicinal e o seu uso na epilepsia infantil

A epilepsia é um distúrbio neurológico comum, afetando 0,5% a 1% da população mundial. Apesar a disponibilidade de muitos medicamentos antiepilépticos eficazes, cerca de um terço dos pacientes epilépticos continuarão a têm convulsões refratárias ao tratamento. Se um paciente continua a ter convulsões apesar do tratamento apropriados com três tipos de medicamentos diferentes em doses adequadas, a probabilidade de alcançar o controle das crises com medicamentos subsequentes é inferior a 3,5%.

Nesses casos, outras opções de tratamentos devem ser consideradas como: a microcirurgia para o tratamento da epilepsia, o implante do eletrodo profundo- DBS, a estimulação do nervo vago – VNS ou o uso da dieta cetogênica. Contudo, para os numerosos pacientes que não são elegíveis para cirurgia ou que não respondem a esses tratamentos, a cannabis medicinal pode oferecer uma esperança na redução de crises em comparação com outras intervenções farmacológicas.

O tratamento com cannabis para convulsões tem uma longa história; tem sido usado como anticonvulsivante no antigo Oriente Médio e Índia por pelo menos 4.000 anos. O uso de cannabis para a epilepsia cessou gradualmente após a introdução do fenobarbital em 1912 e da fenitoína em 1937.  Mas, nas últimas décadas, com a descoberta do sistema endocanabinoide e o seu melhor entendimento, em seres humanos e em modelos animais: e a crescente necessidade de novas terapias, para formas de epilepsia refratarias aos tratamentos convencionais, a cannabis medicinal voltou a ser considerada como opção terapêutica.

Um composto de CBD puro derivado de plantas (marca nome: Epidiolex) foi aprovado pela US Food and Drug Administration (FDA), em 2018, para o tratamento de dois formas graves de epilepsia – Dravet e Lennox – Síndromes de Gastaut – após uma série de sucessos estudos de segurança e eficácia.

Deste então, o canabidiol tem sido considerado como um medicamento em caso de refratariedade das terapias convencionais em epilepsias de difícil controle.

Uso da cannabis medicinal no tratamento do Transtorno do Espectro Autista

O transtorno do espectro do autismo (TEA) afeta até 2,5% de crianças em todo o mundo e é um importante problema de saúde pública. Indivíduos com TEA têm problemas sociais e dificuldades de comunicação, estereotipadas ou repetitivas, problemas sensoriais e, em muitos casos, comprometimento cognitivo e distúrbios comportamentos. Esses déficits estão presentes na primeira infância e levam a incapacidades significativas caso não tratadas de forma precoce.

Aproximadamente 50% das crianças e adolescentes com TEA demonstram dificuldades comportamentais, incluindo acessos de raiva, não adesão ao tratamento e ao convívio social, agressividade e podem até mesmo, se auto ferir.

As dificuldades comportamentais das crianças com TEA podem aumentar o seu isolamento social e muitas vezes causam mais sofrimento aos cuidadores do que os principais sintomas autistas. O tratamento padrão para esses problemas é baseado em intervenções comportamentais combinadas com medicamentos antipsicóticos e estabilizadores de humor. No entanto, tanto a eficácia e tolerabilidade da medicamentos em crianças com TEA são menos favoráveis ​​do que entre crianças com desenvolvimento típico e com sintomas semelhantes.

A epilepsia é uma das comorbidades mais comuns condições no TEA, afetando 10% a 30% das crianças e jovens com este diagnóstico.  Vários processos fisiopatológicos estão implicados em ambas as doenças. Portanto, o efeito positivo dos canabinóides em pacientes refratários pode ser relevante para indivíduos com TEA.

Quando se considera as condições comportamentais em pacientes com TEA, o uso da cannabis medicinal sugere uma melhora na hiperatividade, irritabilidade, letargia, estereotipia e fala nos pacientes que fazem uso do produto.

O tratamento com canabis medicinal reduz substancialmente a irritabilidade e a ansiedade na maioria dos participantes dos estudos. A melhora nas interações sociais ocorreu em cerca de metade dos sujeitos, mas estes resultados devem ser interpretados com cautela. O tratamento com canabinóides está associado a um efeito placebo relativamente elevado, em comparação com outros tratamentos farmacológicos. Portanto, mais estudos controlados por placebo são necessários para uma melhor avaliação preliminar da eficácia.

Uso regulamentado

É importante enfatizar que a cannabis medicinal deve ser usada de forma regulamentada e sob a supervisão de profissionais de saúde qualificados. A dosagem e o tipo de produto utilizados devem ser cuidadosamente monitorados para evitar efeitos colaterais indesejados.

A cannabis medicinal quando indicada deve ser utilizada em pacientes maiores de 2 anos de idade.

Cannabis e neurocirurgia pediátrica

Os pacientes pediátricos que passam por cirurgia neurológica frequentemente enfrentam desafios significativos no pós-operatório. Nessa situação, a cannabis medicinal pode ser considerada como uma opção de tratamento adjuvante para o tratamento da espasticidade, da dor e da epilepsia em casos selecionados.

Gerenciamento de Distúrbios do Sono na infância

Distúrbios do sono podem ocorrer em pacientes que apresentem comorbidades neurológicas como doenças raras genéticas, neurodegenerativas, epilepsia e espasticidade e as crianças não são exceção. O CBD, um dos componentes não psicoativos da cannabis, tem sido estudado por seus efeitos relaxantes e pode contribuir para melhorar a qualidade do sono durante a recuperação.

A grande maioria dos estudos sobre o tema está direcionada ao público adulto. Porém, em casos selecionados, dentro da neurologia pediátrica, a cannabis medicinal pode ser uma alternativa em pacientes que apresentem distúrbios do sono associados a dor, a epilepsia ou a distúrbios de movimento.

 A colaboração estreita com a equipe médica, monitoramento cuidadoso dos efeitos e a conformidade com regulamentações locais são elementos cruciais para otimizar os benefícios da cannabis medicinal na promoção da qualidade de vida em crianças.

A pesquisa contínua nesta área é essencial para desenvolver diretrizes específicas e evidências robustas que respaldem a utilização adequada da cannabis na neurologia e na neurocirurgia pediátrica.

Riscos do uso de canabis medicinal na infância

O conhecimento atual sobre os efeitos colaterais a longo prazo dos canabinóides baseia-se principalmente em estudos de acompanhamento de usuários recreativos de cannabis. Vários grandes estudos demonstraram que os principais riscos de diminuição da motivação, dependência, declínio cognitivo leve e esquizofrenia são diretamente relacionados às concentrações de THC e CBD utilizadas, ou seja, quanto maior a proporção de THC ao CBD, maior será o risco.

O risco também é elevado entre aqueles com início de uso mais jovem (<18 anos) e na presença de outros fatores de risco, como história familiar de esquizofrenia e uso concomitante de álcool e tabaco.

Vale lembrar que os estudos continham poucos participantes com menos de 10 anos de idade e não avaliou o uso diário de cannabis medicinal.

Dos trabalhos relacionados ao uso do CBD isolado na epilepsia, em pacientes pediátricos, sugerem que o seu uso tem alta tolerabilidade e segurança, porém esses estudos incluíram poucos participantes com menos de 5 anos de idade.

Embora haja benefícios potenciais no uso da cannabis medicinal em neurocirurgia pediátrica, é importante estar ciente dos riscos e considerações de segurança associados a essa abordagem.

Efeitos colaterais

O uso de cannabis medicinal pode estar associado a efeitos adversos de curto prazo. O uso de CBD isolado ou de extratos full sprectrum ou broad sprectrum de CBD incluem os seguintes sintomas: sonolência, irritabilidade, alterações no apetite e aumento das transaminases hepáticas. Existe uma recomendação para a monitorização da função hepática com exames de sangue ao longo do tratamento, como já acontece de rotina em pacientes neurológicos que utilizem anti- convulsivantes.

Interações medicamentosas

A cannabis medicinal pode interagir com outros medicamentos que a criança esteja tomando. Isso pode afetar a eficácia e a segurança de ambos os tratamentos, portanto, é essencial informar o médico sobre qualquer uso de cannabis medicinal.

Algumas alterações laboratoriais podem ser encontradas em pacientes que utilizam CBD como a elevação das transaminases hepáticas, nos estudos pacientes esta alteração foi mais presente quando a criança utiliza concomitante o ácido valpróico.  Os produtos derivados da cannabis medicinal podem potencializar o efeitos de outros medicamentos como benzodiazepínicos e anticonvulsivantes, desta forma o seu uso deve ser associado, se necessário, com ajustes de doses de medicamentos ao longo do tempo.

Questões legais e éticas

As leis relacionadas à cannabis medicinal variam de país para país e, em alguns lugares, até de estado para estado. Os pais e médicos devem estar cientes das regulamentações locais e cumprir todas as leis relevantes.

Pesquisas em andamento

A pesquisa sobre o uso da cannabis medicinal na neurologia pediátrica ainda está em evolução, e novos estudos estão sendo realizados para aprofundar nosso entendimento dos benefícios e riscos envolvidos.

Estudos clínicos randomizados estão sendo conduzidos para avaliar de forma mais precisa os efeitos da cannabis medicinal em crianças submetidas a cirurgias neurológicas. Esses estudos ajudarão a fornecer evidências mais sólidas sobre sua eficácia e segurança.

A comunidade médica está se esforçando para compartilhar dados e resultados de pesquisas de forma colaborativa. Isso ajudará a estabelecer diretrizes mais claras para o uso da cannabis medicinal em pacientes pediátricos na neurocirurgia e na neurologia.

Abordagens multidisciplinares

Além da pesquisa e da consulta médica, a abordagem multidisciplinar desempenha um papel crucial na gestão do uso da cannabis medicinal em pacientes pediátricos. Isso envolve a colaboração entre diferentes especialistas de saúde, incluindo neurocirurgiões, neurologistas, pediatras e psiquiatras.

Avaliação cuidadosa

Antes de iniciar qualquer tratamento com cannabis medicinal, os pacientes pediátricos devem passar por uma avaliação abrangente para determinar a adequação da terapia. Isso envolve a revisão de históricos médicos, a avaliação do estado de saúde atual e a consideração de outros tratamentos em andamento.

Monitoramento constante

O uso da cannabis medicinal em pacientes pediátricos deve ser monitorado de perto ao longo do tempo. Isso permite que os médicos ajustem a dosagem, avaliem os resultados e estejam atentos a quaisquer efeitos colaterais ou interações medicamentosas indesejadas.

Formulações personalizadas

A personalização das formulações de cannabis medicinal é uma tendência emergente. Isso significa que os tratamentos podem ser adaptados de acordo com as necessidades específicas de cada paciente, levando em consideração fatores como idade, peso e a condição médica subjacente. Essa abordagem pode melhorar a eficácia e minimizar os riscos.

Novas opções de administração

Além dos óleos e cápsulas tradicionais, novas formas de administração estão sendo desenvolvidas, como sprays orais, loções, gomas.

Essas opções oferecem mais flexibilidade e podem ser especialmente úteis para crianças que têm dificuldade em engolir comprimidos.

A cannabis medicinal em forma de óleo é apresentação mais comumente utilizadas nas crianças, sendo mais facial de titulação de dose. Pode inclusive sem administrada via gastrostomia em pacientes que não tem disponibilidade de ingesta via oral.

Maior aceitação pública

Conforme a pesquisa continua a fornecer evidências dos benefícios da cannabis medicinal, a aceitação pública está crescendo. Isso pode levar a uma mudança nas políticas e regulamentações, tornando mais acessível a utilização da cannabis medicinal para crianças que dela necessitem.

Orientações para pais e médicos

  • Consulte um especialista: Antes de iniciar qualquer tratamento com cannabis medicinal, consulte um médico especializado em cannabis medicinal. Eles podem fornecer orientações específicas com base nas necessidades individuais da criança.
  • Mantenha registros detalhados: Manter registros detalhados dos efeitos da cannabis medicinal é fundamental. Isso inclui monitorar os efeitos terapêuticos, eventuais efeitos colaterais e quaisquer mudanças no estado de saúde da criança. Esses registros ajudarão os médicos a ajustar o tratamento conforme necessário.
  • Esteja ciente das leis locais: Certifique-se de estar ciente das leis locais relacionadas à cannabis medicinal e esteja em conformidade com elas. Em muitos lugares, é necessária uma prescrição médica e um registro legal para o uso desses produtos.
  • Comunique-se com a equipe médica: Mantenha uma comunicação aberta e regular com a equipe médica da criança. Isso inclui neurocirurgiões, neurologistas e outros profissionais de saúde envolvidos no tratamento. Eles devem estar cientes do uso de cannabis medicinal e monitorar sua interação com outros tratamentos.

Considerações Finais

O uso da cannabis medicinal na neurologia pediátrica é um campo complexo e em constante evolução. Embora haja benefícios potenciais a serem considerados, é essencial abordar essa opção terapêutica com cautela, considerando os riscos, regulamentações legais e éticas, e a necessidade de pesquisa contínua sobre o tema.

Em alguns casos, a cannabis medicinal pode ser uma tentativa de tratamento antes de se optar por uma neurocirurgia pediátrica. Porém, isso deve ser avaliado em conjunto das melhores evidências cientificas sobre o assunto, principalmente quando falamos de epilepsia e distúrbios de movimento.

A colaboração multidisciplinar, incluindo médicos - especialistas em cannabis medicinal, é fundamental para garantir a segurança e eficácia desse tratamento. À medida que a pesquisa avança e a aceitação pública cresce, é possível que a cannabis medicinal desempenhe um papel cada vez mais importante no apoio ao bem-estar de pacientes pediátricos. No entanto, a prioridade deve sempre ser a saúde e o bem-estar das crianças, com uma abordagem cuidadosa e baseada em evidências.

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