A cannabis, planta popularmente conhecida como maconha, tem sido alvo de discussões e pesquisas em diversos campos da medicina. O seu potencial terapêutico tem sido explorado no tratamento de doenças neuroinflamatórias, como a esclerose múltipla (EM). Os pacientes apresentaram melhora de sintomas neurológicos ocasionados pela EM e após o início do uso destes produtos apresentaram o alívio da dor (72% dos pacientes) e da espasticidade (48% dos pacientes) e a melhora do sono (40% dos pacientes) este revisões da literatura sobre o assunto.
Introdução à Cannabis e seus Componentes
A cannabis contém mais de cem compostos químicos conhecidos como canabinoides, sendo o delta-9-tetra-hidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD) os mais estudados.Enquanto o THC é responsável pelos efeitos psicoativos e maiores interação no sistema nervoso central, o CBD não apresenta efeitos psicoativos, embora apresente possíveis propriedades anti-inflamatórias e neuroprotetoras. Ambos os componentes têm despertado interesse na comunidade científica devido aos seus potenciais aplicações medicinais.
Esclerose Múltipla: Uma Visão Geral
A esclerose múltipla (EM) é uma condição complexa e desafiadora que afeta o sistemanervoso central, composto pelo cérebro e pela medula espinhal. Classificada como uma doença autoimune, a EM ocorre quando o sistema imunológico ataca erroneamente a mielina, uma substância que envolve e protege as fibras nervosas. Essa resposta imune desregulada resulta em inflamação crônica, cicatrizes (esclerose) e danos às fibras nervosas, comprometendo a comunicação eficiente entre o cérebro e o restante do corpo. Foram feitos progressos no desenvolvimento de tratamentos modificadores da EM que retardam a progressão da doença e preservam a função nervosa, mas o tratamento dos sintomas já instalados permanece complexo.
Os sintomas da esclerose múltipla são diversificados e podem variar entre os indivíduos afetados. Os sintomas comuns da EM incluem espasmos musculares, dificuldade de marcha, dor, tremor, depressão, fadiga persistente e disfunção cognitiva são apenas alguns dos desafios enfrentados pelos pacientes. Essa variabilidade nos sintomas e a natureza imprevisível da progressão da doença tornam a EM uma condição altamente individualizada, exigindo abordagens terapêuticas igualmente personalizadas.
A complexidade da esclerose múltipla reflete-se não apenas nos sintomas físicos, mas também nas implicações emocionais e sociais enfrentadas pelos pacientes. Lidar comuma condição crônica e progressiva em pacientes jovens, em idade produtiva, pode ter impactos significativos na qualidade de vida, afetando relacionamentos, carreiras e bem-estar emocional. Portanto, o desenvolvimento de tratamentos que não apenas visem apenas aspectos físicos motores e sensoriais, mas também atenuem indiretamente sintomas de bem-estar, como o sono e o humor, são cruciais para proporcionar uma abordagem holística e eficaz no manejo da esclerose múltipla.
Em resumo, a esclerose múltipla não é apenas uma doença que afeta o corpo fisicamente, mas também influencia a vida cotidiana de maneira abrangente. O entendimento aprofundado dessa condição e a busca por tratamentos inovadores, como a utilização medicinal da cannabis, refletem o comprometimento da comunidade médica em oferecer opções terapêuticas mais abrangentes e melhorar a qualidade de vida dos pacientes afetados por essa doença neuroinflamatória desafiadora.
O Alívio dos Sintomas com Cannabis
O alívio dos sintomas da esclerose múltipla por meio do uso da cannabis tem sido objeto de estudo e observação clínica, oferecendo perspectivas promissoras para a melhoria da qualidade de vida dos pacientes. Um dos componentes mais estudados da cannabis é o THC, que demonstrou eficácia no controle da espasticidade muscular, em associação com o CBD, um dos sintomas mais comuns e debilitantes associados à esclerose múltipla.
Além disso, em pacientes com EM e dor crônica houve uma redução significativa no uso concomitante de opioides após o início da terapia canábica, conforme evidenciado por uma diminuição significativa nos equivalentes diários de miligramas de morfina entre os pacientes aos quais foram prescritos analgésicos opioides.
A espasticidade caracteriza-se por contrações musculares involuntárias, resultando em rigidez e dificuldade de movimentação. Pesquisas clínicas indicam que o THC atua nos receptores canabinoides presentes no sistema nervoso central, modulando a atividade neural e diminuindo a intensidade das contrações musculares. Pacientes que experimentaram tratamentos convencionais muitas vezes enfrentam efeitos colaterais indesejados, enquanto o THC, em alguns casos, oferece alívio eficaz sem os impactos negativos associados. No entanto, é crucial observar que a resposta individual à cannabis pode variar, e o acompanhamento médico é essencial para ajustar a dosagem e monitorar possíveis efeitos adversos.
Outro componente relevante da cannabis, o CBD, tem se destacado no tratamento da dor crônica associada à esclerose múltipla. Foi demonstrado que o canabidiol proporciona alívio da dor, reduz a inflamação e atua como um potente antioxidante. A dor crônica é uma característica comum da condição, resultante da inflamação, da espasticidade e do dano nervoso. Mecanismos de ação do CBD incluem a modulação dos receptores de dor e a redução da inflamação, contribuindo para uma abordagem holística no tratamento da esclerose múltipla.
Há evidências de que o CBD pode potenciar os efeitos benéficos do THC, resultando em efeitos sinérgicos quando os dois são administrados em combinação. Em parte, esta sinergia pode ser devida à neutralização dos efeitos do THC e do CBD nos receptores CB1 no SNC, resultando numa maior tolerabilidade aos efeitos psicotrópicos do THC.
Quais são as evidências atuais sobre o uso de canabis na Esclerose Múltipla?
Revisões sistemáticas recentes concluíram que a terapia com canabis medicinal pode ser eficaz no alívio da espasticidade e da dor em pacientes com EM, incluindo uma revisão sistemática da Academia Americana de Neurologia.
No Brasil, está disponível nas farmácias, um medicamento derivado da Canabis Medicinal chamado Mevatyl, em alguns países registrado como Sativex, aprovado para uso também na Europa e no Canada, apresenta em sua composição THC (27 mg/ml) e CBD ( 25 mg/ml), sua apresentação é oral em forma de spray, é o único derivado de canabis medicinal que apresenta a categoria de medicamento no seu registro da ANVISA, devido o número de pesquisas realizadas em pacientes comprovando sua eficácia e segurança. Sua indicação formal é o controle da espasticidade na EM.
O Mevatyl tem o seu uso liberado para maiores de 18 anos, que não estejam amamentando. Não é indicado o seu uso na gravidez, considerado medicamento classe C, como não existem dados sobre a segurança do uso desse medicamento em mulheres grávidas ou que estejam amamentando, o seu uso não é indicado nesta população, salvo em casos restritos e bem supervisionados.Cada pulverização de 100 µl são liberados 2,7 mg de tetraidrocanabinol (THC) e 2,5mg de canabidiol (CBD). A dose deste medicamento deve ser individualizada e aumentada gradualmente até a melhora dos sintomas de espasticidade. Podem ser aplicados, inicialmente, de 1-2 sprays por via oral ao longo do dia, sendo o máximo indicado até 12 sprays ao dia. Se indica aguardar 15 minutos entre uma dose e outra.
Entre os efeitos adversos mais comuns podemos destacar as tonturas, mas como em qualquer medicamento, são relacionados a doses mais altas dos medicamentos. Sua interação farmacológica esta relacionada a alguns anticonvulsivantes como o fenobarbital e a carbamazepina. A grande barreira ao uso deste medicamento é o custo, ainda elevado, inclusive muitos estudos sobre o caso apontam que talvez seja o maor motivo para a descontinuação do uso destes medicamentos.
A personalização do tratamento, considerando as características específicas de cada paciente, é fundamental, e a colaboração entre médicos e pesquisadores é essencial para aprofundar nosso conhecimento sobre o papel da cannabis no alívio dos sintomas da esclerose múltipla. É importante diferencial pacientes que a presentem um componente de dor neuropática dos pacientes que a presentem um componente de dor mais espástico, musculo esquelético. Pois provavelmente as formulações de canabis medicinal serão diferentes para cada tipo de paciente.
Propriedades Anti-inflamatórias da Cannabis
O potencial anti-inflamatório da cannabis é um aspecto crucial em sua aplicação no tratamento de doenças neuroinflamatórias, incluindo a esclerose múltipla (EM). A resposta inflamatória exacerbada desempenha um papel central na progressão da EM, contribuindo para danos adicionais às fibras nervosas e aumentando a gravidade dos sintomas. Nesse contexto, os canabinoides presentes na cannabis têm mostrado acapacidade de modular a resposta imune, agindo como agentes anti-inflamatórios eficazes.
O sistema endocanabinoide, uma rede complexa de receptores e moléculas sinalizadoras presentes no corpo humano, desempenha um papel central na regulação da inflamação. Os canabinoides exógenos da cannabis, como o CBD, interagem com esses receptores, especialmente os do tipo CB2, que estão abundantemente presentes nas células do sistema imunológico. Essa interação promove a liberação de substâncias anti-inflamatórias e a inibição de moléculas pró-inflamatórias, resultando em uma resposta inflamatória mais equilibrada.
No entanto, é importante destacar que, embora as propriedades anti-inflamatórias da cannabis sejam promissoras, a pesquisa ainda está em andamento. A individualidade na resposta dos pacientes, a variabilidade nos tipos de cannabis utilizados e a falta de padronização nas formulações são desafios a serem superados. Além disso, considerações éticas e regulatórias são cruciais para garantir o uso responsável e seguro da cannabis no contexto médico. O aprofundamento dessas pesquisas é essencial para elucidar completamente os mecanismos de ação e a eficácia da cannabis como agente anti-inflamatório na esclerose múltipla e em outras condições neuroinflamatórias.
Pesquisas Futuras e Perspectivas
O papel da cannabis no tratamento de doenças neuroinflamatórias, incluindo a esclerose múltipla, está em constante evolução. Novas pesquisas são necessárias para aprofundar nossa compreensão dos mecanismos de ação dos canabinoides e para desenvolver abordagens terapêuticas mais precisas e seguras. Avanços na regulamentação e na pesquisa clínica são essenciais para promover o uso responsável da cannabis como parte integrante do arsenal terapêutico para condições neuroinflamatórias.
O potencial terapêutico da cannabis no tratamento de doenças neuroinflamatórias, como a esclerose múltipla, representa uma área emocionante e promissora da pesquisa médica. No entanto, é crucial abordar cuidadosamente questões éticas, regulatórias e científicas para garantir que os benefícios sejam alcançados de maneira segura e eficaz. À medida que a ciência avança, a cannabis pode se tornar uma ferramenta valiosa no manejo dos sintomas e na melhoria da qualidade de vida dos pacientes com esclerose múltipla, oferecendo uma nova perspectiva para o futurot ratamento dessas condições desafiadoras.
Fontes sobre o assunto:
Rainka MM, Aladeen TS, Mattle AG, Lewandowski E, Vanini D, McCormack K, Mechtler L. Multiple Sclerosis and Use of Medical Cannabis: A Retrospective Review of a Neurology Outpatient Population. Int J MS Care. 2023 May-Jun;25(3):111-117. doi: 10.7224/1537-2073.2022-006. Epub 2022 Dec 12. PMID: 37250194; PMCID: PMC10211357.