A dor crônica é uma condição debilitante que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. A dor somática crônica afeta cerca de 20% da população em geral. Enquando a dor neuropática crônica afeta cerca de 8% da…
A dor crônica é uma condição debilitante que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. A dor somática crônica afeta cerca de 20% da população em geral. Enquando a dor neuropática crônica afeta cerca de 8% da população. Das dores mais comuns podemos observar que enxaqueca está presente em pelo menos 15% da população adulta e cerca de 1% da população em geral sofre de cefaleia crônica diária. Muitos indivíduos encontram alívio por meio de tratamentos convencionais, como medicamentos e terapias físicas, há casos em que essas abordagens não são eficazes. Nesses cenários desafiadores, a neurocirurgia funcional pode ser uma opção viável para aliviar a dor crônica.
O Desafio da Dor Crônica Resistente
A dor crônica é definida como uma dor que persiste por mais de três meses. Pode ser causada por uma variedade de condições médicas, como doenças neurológicas, infecciosas, autoimunes e muito mais. Para muitos pacientes, a dor crônica interfere significativamente na qualidade de vida, afetando suas atividades diárias, sono e bem-estar emocional.
Os tratamentos convencionais incluem analgésicos, terapias físicas, acupuntura, massagem e outras abordagens não invasivas. No entanto, nem todos os pacientes respondem positivamente a essas terapias. Isso pode ser frustrante e desanimador, especialmente para aqueles que enfrentam a dor crônica por um longo período.
Neurocirurgia Funcional como Alternativa
A neurocirurgia funcional é uma área especializada da medicina que se concentra na intervenção cirúrgica do sistema nervoso central e periférico para tratar distúrbios neurológicos, incluindo dor crônica. Ela é considerada quando outras opções de tratamento falharam em proporcionar alívio adequado da dor.
Existem várias técnicas de neurocirurgia funcional que podem ser usadas para tratar a dor crônica. As cirugias que visam o controle da intensidade dos sintomas dolorosos. Sua indicação vai depender de alguns fatores relacionados a dor crônica: sua localização, sua doença primária causadora e a fisiopatologia envolvida na dor ( ou seja os mecanismos neurológicos que determinam o tipo da dor que o paciente apresenta).
Entender os mecanismos causadores da dor crônica são fundamentais para determinar o melhor tratamento. Por exemplo, um paciente que apresenta uma dor relacionada a um quadro infeccioso, só irá apresentar melhora dos seus sintomas dolorosos quando sua infecção estiver controlada. Se o paciente apresenta uma dor puramente neuropática, secundária a um tratamento oncológico ( quimioterápico ou radioterápico), infeccioso, pós-cirúrgico de coluna ou relacionada a uma doenca neurodegenerativa ( Parkisnon, esclerose múltipla), por exemplo, terá tratamentos diferentes.
A Neuromodulação invasiva tem sido utilizada ao longo dos anos como o grande tratamento da dor de causa neuropática. Utilizamos uma variedade de dispositivos eletrônicos que inibem a dor de forma elétrica ou farmacológica.
A Sociedade Internacional de Neuromodulação define a neuromodulação como: “ uma alteração da atividade nervosa através da entrega direcionada de um estímulo, como estimulação elétrica ou agentes químicos, a locais neurológicos específicos do corpo.”
Dos tipos de neuromodulação invasiva que atualmente temos disponível para o tratamento da dor crônica, vamos explorar alguns procedimentos mais utilizados com mais detalhes.
A neuroestimulação elétrica é uma altenativa de tratamento para dores crônicas refratarias a terapias medicamentosas, fisioterapia, bloqueios para dor que tiveram o seu tratamento otimizado por pelo menos 6 meses. Sobre está terapia temos algumas modalidades de dispositivos:
Neuroestimulador de nervo periférico:
Pode ser utilizado no tratamento para a cefaleia tipo cluster, também conhecida como cefaleia em salvas, consiste no implante de uma eletrodo que emite estímulos elétricos em contato direto com um nervo responsável por enviar a resposta dolorosa ao sistema nervoso central. No caso da cefaleia em salvas o implante é realizado para a estimulação do nervo occipital. Esse dispositivo é programável, permitindo que os médicos ajustem os parâmetros de estimulação conforme necessário para otimizar o alívio da dor. Este eletrodo é alimentado por gerador.
Neuroestimulação medular ( Spinal Cord Stimulation – SCS):
O mecanismo de atuação do eletrodo medular consiste na inibição da transmissão de mensagens nociceptivas e da hiperatividade dos neurônios nociceptivos no corno dorsal da medula espinhal e através de mecanismos supraespinhais, incluindo a ativação das vias descendentes inibitórias. Ou seja, a neuroestimulação medular impede que a resposta da dolorosa periférica, de uma região atingida por dor crônica, seja transmitida pelas vias medulares até o cérebro, o que inibe perpetuação da informação dolorosa naquela localização.
Sua indicação da sua utilização são dores crônicas , predominantemente, neuropáticas com topografia bem definida, com exceção da face, após falha dos tratamentos medicamentosos convencionais e bloqueios para dor. O implante do eletrodo medular geralmente é utilizado para o tratamento da dor cervical e membros superiores ou, dor lombar e de membros inferiores ( tipo radicular) de causa neuropática. Uma das causas mais comuns para sua indicação é a síndrome pós- laminectomia, dor neuropática que pode ser desencadeada após procedimentos na coluna. Além destas dores previamente citadas , esta terapia também pode ser utilizada para o tratamento da síndrome de dor complexa regional e a polineuropatia periférica( diabética). Este dipositivo também é conectado a um gerador, e diversas programações estão disponíveis para a inibição da dor.
Acesso o link abaixo para saber mais sobre o assunto:
https://dragianakuhn.com.br/estimulador-medular-indicacoes-medicas/
Neuroestimulação do gânglio da raiz dorsal:
O gânglio da raiz dorsal (DRG: sigla em inglês dorsal root ganglion) é um alvo interessante para neuromodulação, pois desempenha papel fundamental na dor neuropática e participa do fenômeno de sensibilização periférica e central. O eletrodo é implantado de forma percutânea, dentro do forame neural , permite uma localização mais precisa que o eletrodo medular. A estimulação DRG é indicada principalmente na dor neuropática crônica do membro inferior ou tronco, localizada em poucos territórios radiculares, incluindo a síndrome de dor complexa regional, dor torácica ou inguinal pós-cirúrgica ou pós- herpes zóster.
O DRG deve ser indicado para dores mais localizadas, de preferência de extremidades, como pé esquerdo ou o pé direito, por exemplo, ou em territórios que o estimulador medular não consigue atingir uma localização precisa. As doenças que atualmente mais utilizam esta terapia são a síndrome de dor complexa regional e a dor pélvica.
Em comparação com o SCS clássico, a estimulação DRG parece capturar melhor áreas dolorosas discretas, como os pés ou a virilha, para proporcionar intensidades de parestesia mais estáveis com as mudanças de posições do corpo do paciente ao longo do dia.
Neuroestimulação do córtex motor:
A estimulação do córtex motor é direcionada para dores relacionadas a desaferentação, ou seja que não tenham uma via periférica ou medular íntegra para a transmitir da inibição da dor pela neuroestimulação convencional. Esta terapia utiliza placas de eletrodo medular que são inseridos sobre a dura-máter, na região do córtex motor ( sobre a superfície cerebral, mas no espaço extradural). Um ou dois eletrodos epidurais são implantados sobre o giro pré-central, contralateral ao lado da dor, e então conectados ao gerador. As complicações são raras: infecção (3%), disfunção do sistema e hemorragia intracraniana (<1%), crises epilépticas (durante a configuração dos parâmetros de estimulação, mas sem causar epilepsia crônica).
Este tipo de terapia é utilizada para o tratamento da dor neuropática que não pode ser tratada pela SCS, como dor central pós-AVC ou neuropatia trigeminal, e, menos frequentemente, na dor após paraplegia, avulsão do plexo braquial e dor de membro fantasma. A eficácia da estimulação cortical foi estudada principalmente em séries abertas curtas (cerca de 300 pacientes), relatando que cerca de metade dos pacientes melhorou mais de 40-50% da intensidade das suas dores.
Bomba de infusão de Fármacos- Neuromodulação Farmacológica:
A neuromodulação famacológica utiliza um reservatório medicamentoso que, geralmente é alimentado por um gerador interno eletrônico, capaz de levar medicamentos para o espaço intratecal, aumentando a absorção dos medicamentos a serem utilizados com uma dose menor.
Para o tratamento da dor neuropática ou nociceptiva podemos utilizar a morfina neste tipo de reservatório. Este tipo de tratamento geralmente é considerado quando os pacientes com dor crônica não respondem a neuroestimulação elétrica ou quando apresentam dor de causa oncológica que apresentam melhora dos sintomas com morfina ou outros opidoies fortes, mas não toleram os efeitos colaterais de outras via de administração como a via oral ou via transdérmica.
Acesso o link abaixo para saber mais sobre o assunto:
https://dragianakuhn.com.br/bomba-de-infusao-de-farmacos/
Vantagens e Considerações
A neurocirurgia funcional para dor crônica oferece várias vantagens, especialmente para pacientes que não respondem a tratamentos convencionais. Algumas das vantagens incluem:
- Alívio da dor duradouro: Muitos pacientes experimentam alívio significativo da dor após a neurocirurgia funcional, o que pode melhorar consideravelmente sua qualidade de vida.
- Redução da necessidade de medicamentos: A cirurgia pode reduzir ou eliminar a necessidade de medicamentos analgésicos que podem ter efeitos colaterais indesejados.
- Maior mobilidade: Com a dor sob controle, os pacientes podem recuperar a mobilidade e retomar atividades que antes eram impossíveis devido à dor.
- Melhora na saúde mental: A redução da dor crônica pode levar a uma melhora significativa na saúde mental, reduzindo a ansiedade, a depressão e o estresse relacionados à dor constante.
No entanto, a neurocirurgia funcional não é isenta de riscos e considerações importantes. Todos os procedimentos cirúrgicos envolvem riscos, como infecção, sangramento e complicações relacionadas à anestesia. Além disso, a escolha de realizar uma cirurgia deve ser cuidadosamente avaliada em consulta com um neurocirurgião, levando em consideração o tipo de dor, a causa subjacente e as expectativas do paciente.
A Importância da Avaliação Multidisciplinar
Antes de submeter-se a qualquer procedimento de neurocirurgia funcional, os pacientes devem passar por uma avaliação multidisciplinar detalhada. Isso envolve uma equipe de profissionais de saúde, incluindo neurocirurgiões, neurologistas, psiquiatras,fisioterapeutas e psicólogos, trabalhando em conjunto para determinar a melhor abordagem para o tratamento da dor crônica.
A avaliação começa com a identificação da causa subjacente da dor, uma vez que diferentes condições podem requerer abordagens cirúrgicas distintas. Além disso, os médicos consideram o histórico médico do paciente, a resposta aos tratamentos convencionais e a saúde geral antes de recomendar a neurocirurgia funcional. Essa abordagem holística visa garantir que os pacientes estejam bem preparados e tenham expectativas realistas em relação ao procedimento.
Pós-Operatório e Recuperação
Após a neurocirurgia funcional, os pacientes devem seguir um plano de recuperação cuidadosamente elaborado. O tempo de recuperação varia de acordo com o tipo de procedimento realizado, mas é essencial seguir todas as orientações médicas para garantir uma recuperação segura e eficaz.
No caso da estimulação elétrica,independente da terapia, a programação do dispositivo é essencial para otimizar os resultados. Os pacientes precisam fazer visitas regulares ao médico para ajustar as configurações da estimulação de acordo com suas necessidades individuais. Isso requer paciência e comunicação aberta com a equipe médica para garantir o melhor alívio da dor possível.
Após o implante de uma bomba de infusão de fármacos, existe a necessidade de controle do volume do reservatório do fármaco, para que ele nunca fique vazio, já que a falta do medicamento, do seu abastecimento conforme a recomnedação médica causar efeitos de abstinência ao paciente além de também danificar o dispositivo.
Considerações Éticas e Qualidade de Vida
A neurocirurgia funcional, como qualquer procedimento médico invasivo, levanta questões éticas importantes. Os médicos devem considerar cuidadosamente se os potenciais benefícios para o paciente superam os riscos associados à cirurgia. A decisão de prosseguir com a cirurgia deve ser sempre baseada no bem-estar do paciente e na melhoria de sua qualidade de vida.
Além disso, é crucial que os pacientes compreendam plenamente os possíveis resultados da cirurgia e tenham expectativas realistas. Embora a neurocirurgia funcional possa proporcionar um alívio significativo da dor, não garante uma cura completa, e os pacientes devem estar preparados para enfrentar desafios em sua jornada de recuperação. A transparência entre médicos e pacientes é fundamental para construir uma relação de confiança e tomar decisões informadas.
No entanto, quando a neurocirurgia funcional é bem-sucedida, ela pode proporcionar uma melhoria notável na qualidade de vida dos pacientes. A capacidade de retomar atividades diárias, desfrutar de momentos com a família e recuperar a independência é inestimável para aqueles que vivenciaram a dor crônica debilitante por tanto tempo.
Fontes:
Knotkova H, Hamani C, Sivanesan E, Le Beuffe MFE, Moon JY, Cohen SP, Huntoon MA. Neuromodulation for chronic pain. Lancet. 2021 May 29;397(10289):2111-2124. doi: 10.1016/S0140-6736(21)00794-7. PMID: 34062145.
Moisset X, Lanteri-Minet M, Fontaine D. Neurostimulation methods in the treatment of chronic pain. J Neural Transm (Vienna). 2020 Apr;127(4):673-686. doi: 10.1007/s00702-019-02092-y. Epub 2019 Oct 21. PMID: 31637517.