O que é cefaleia em salvas?
A cefaleia em salvas, também conhecida como dor de cabeça tipo cluster, é uma condição neurológica debilitante que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Caracterizada por dor intensa em região periorbitária, recorrente, na região da face, é considerada a cefaleia trigemino-autonômica mais comum.
A cefaleia em salvas tem sido alvo de estudo e pesquisa ao longo dos anos, levando ao desenvolvimento de diversas intervenções neurocirúrgicas para aliviar o sofrimento dos pacientes.
As crises recorrem até 8 vezes por dia e estão entre as dores mais intensas descritas pelos humanos, sendo sua intensidade, comparada a lesões causadas por arma de fogo, a dor do parto normal e a dor da cólica renal (secundária aos cálculos renais).
A Cefaleia em Salvas – Uma Condição Intrigante de difícil aceitação
Antes de mergulharmos nas intervenções neurocirúrgicas, é importante entendermos a cefaleia em salvas. Ela se apresenta em pacientes de 20-40 anos de idade, prevalência de 124 casos para cada 100.000 pessoas .
Pessoas que sofrem com está condição não apresentam quaisquer deficiências físicas, dificultando a compreensão família, amigos e colegas sobre os momentos de crises. Na experiência clínica, os familiares relatam sentir-se desamparados e com medo porque as pessoas que apresentam cefaleia em salvas podem ficar irritadas ou agressivas, durante as crises de dor, podendo até mesmo se automutilarem durante os episódios.
Esta condição é caracterizada por ataques intensos e repetitivos de dor de cabeça, geralmente concentrados em um dos lados da cabeça, ao redor do olho. Esses ataques podem durar de 15 minutos a três horas e ocorrer várias vezes ao dia, durante semanas ou meses, seguidos por períodos de remissão. A causa exata da cefaleia em salvas ainda é desconhecida, mas estudos sugerem uma interação complexa entre fatores genéticos e ambientais.
Paciente são medicados, rotineiramente, nas crises de dor aguda , com o uso de oxigenioterapia inalátoria e medicamentos da classe dos triptanos (sumatriptano ou zolmitriptano). Uma caracteristica desta doença é não ter controle de sintomas com o uso de analgesicos simples e opioides que são rotineiramente utilizados no controle de qualquer tipo dor aguda.
Casos que apresentem crises que perdurem ao longo dos dias, podem fazer ser tratados com corticoides orais, por um período curto de uso. Casos que apresentem crises frequentes, podem fazer uso de medicamentos preventivos de crises, chamados de profiláticos. Os medicamentos de primeira linha do tratamento crônico preventivo das cefaleias em salvas são: o verapamil, o lítio e o topiramato, estes remédios podem ser utilizados, diariamente, para o controle das crises e da frequência da doença.
Esgotados os tratamentos medicamentosos, os pacientes devem ser direcionados a intervenções neurocirúrgicas.
Intervenções Neurocirúrgicas Iniciais
As primeiras tentativas de tratar a cefaleia em salvas por meio de intervenções cirúrgicas datam do início do século 20. Um procedimento conhecido como simpatectomia cervical, que envolvia a remoção de parte do sistema nervoso simpático no pescoço, foi utilizado na esperança de aliviar os sintomas. No entanto, essas intervenções iniciais tinham resultados variados e muitas vezes causavam complicações significativas.
Bloqueios para dor que podem ser utilizados no tratamento das cefaleias em salvas
O primeiro bloqueio rotineiramente utilizados nas crises de cefaleias em salvas é o bloqueio do nervo occipital.
O nervo occipital está localizado na porção posterior do crânio (próximo a nuca), é um nervo periférico superficial que está abaixo da pele do crânio e tem comunicação indireta com a caminho que a dor da cefaleia em salvas percorre até a sua ativação cerebral. O bloqueio dos nervos occipitais tem como objetivo impedir que a resposta dolorosa chegue ao cérebro.
O nervo occipital pode ser localizado com o uso do ultrassom no momento do procedimento.
Além do bloqueio do nervo occipital, o bloqueio do gânglio esfenopalatino ( que faz parte do sistema nervoso autônomo), também pode ser uma opção para o controle de dores de características trigêmino-autonômicas como a cefaleia tipo cluster.
O gânglio esfenopalatino fica na porção craniofacial, próximo aos ao ossos do nariz e face e o seu bloqueio anestésico pode ser utilizado no controle da cefaleia em salvas. Para sua realização utilizados o ambiente hospitalar e sua localização necessita do uso da radioscopia transoperatória. Para o conforto do paciente é utilizado uma sedação anestésica.
Rizotomia por Radiofrequência do nervo occipital
A rizotomia por radiofrequência é uma técnica que utiliza cânulas de radiofrequência, que apresentam uma ponta ativa, que pode modular a dor de forma térmica. Estas cânulas contém um eletrodo, que ao se conectar ao seu gerador de energia, por aumentto de temperatura lesam o nervo que perpetua a dor do paciente.
Está técnica utiliza a anestesia local + sedação anestésica para sua realização. Antes de qualquer lesão é realizada de forma rotineira a estimulação da sensibilidade do paciente ( ou seja após, o mapeamento sentitivo da área da dor do paciente) e, se o nervo for motor, é realizado o estimulo motor (que avalia a contração dos músculos da região correspondente ao nervo). O mapeamento sentitivo e motor auxiliam na melhor localização da ponta ativa da cânula.
O procedimento é realizado em ambiente hospitalar, e após a sua realização o paciente pode ter alta no mesmo dia. Qualquer rizotomia por radioquência necessita um bloqueio anestésico anterior com uma boa resposta a dor. Está técnica faz com que o tempo livre da doença seja maior que o bloqueio convencional com anestésicos e corticoides.
Avanços no Tratamento – Neuromodulação
Com o avanço da neurocirurgia e a compreensão crescente do sistema nervoso, novas abordagens para o tratamento da cefaleia em salvas surgiram. A neuromodulação, que envolve a estimulação elétrica de determinados nervos ou áreas do cérebro, tornou-se uma técnica promissora. A estimulação do nervo occipital por neuromodulação elétrica pode aliviar os sintomas da cefaleia em salvas. Esses procedimentos, embora não sejam uma cura definitiva, oferecem alívio significativo para muitos pacientes.
A neuroestimulação do nervo occipital envolve o uso de um implante de eletrodo de nervo periférico e sua alimentação é realizada por uma gerador interno. O teste terapêutico é fase obrigatória antes do implante de gerador.
Está técnica utiliza a neuroestimulação elétrica constante ou cíclica bloqueando ou atenuando a intensidade da dor do paciente.O aparelho de neuroestimulação implantado necessita de ajustes do médico neurocirurgião funcional responsável pelo paciente.
Cirurgias Complexas e Ablativas para tratamento da cefaleia em salvas
Para pacientes com cefaleia em salvas refratária, ou seja, aqueles que não respondem adequadamente a outros tratamentos, cirurgias mais invasivas podem ser consideradas.
A estimulação do nervo vago (VNS), a neuroestimulação do córtex motor podem ser alterativas que associam a neuromodulação invasivo para o tratamento desta dor neuropática facial complexa e debilitante.
A cirurgia de nucleotratotomia trigeminal é um procedimento ablativo que envolvem a modificação direta dos nervos envolvidos na dor. No entanto, esta cirurgia é reservada apenas para casos extremos devido aos riscos e complicações associados.
Lições Aprendidas
Ao longo da evolução das intervenções neurocirúrgicas para a cefaleia em salvas, várias lições importantes foram aprendidas. Em primeiro lugar, a abordagem multidisciplinar é essencial. A colaboração entre neurocirurgiões, neurologistas e outros profissionais de saúde é fundamental para o sucesso do tratamento. Em segundo lugar, a personalização do tratamento é crucial. O que funciona para um paciente pode não funcionar para outro, tornando importante a avaliação cuidadosa de cada caso.
Oportunidades Futuras
O campo da neurocirurgia continua a avançar, oferecendo oportunidades emocionantes para o tratamento da cefaleia em salvas no futuro. Pesquisas estão em andamento para identificar marcadores genéticos que possam prever a suscetibilidade à condição, possibilitando a intervenção precoce. Além disso, novas tecnologias de estimulação estão sendo desenvolvidas, oferecendo a esperança de tratamentos mais eficazes e menos invasivos.
O uso do anticorpo monoclonal Galcanezumab , medicamento de uso subcutâneo, foi aprovado nos Estados Unidos para uso no tratamento da cefaleia tipo cluster. Já disponível no Brasil, o pelo nome comercial Emgality para o tratamento das crises eposódicas de cefaleia em salvas.
A pesquisa sobre a cefaleia em salvas também está em constante evolução, e os cientistas estão explorando novos caminhos para entender e tratar essa condição. Recentemente, estudos têm se concentrado em identificar os gatilhos específicos que desencadeiam os ataques de cefaleia em salvas. Isso inclui a investigação de fatores como alterações nos padrões de sono, exposição a certos odores e substâncias desencadeadoras alimentares. Com uma compreensão mais profunda desses gatilhos, os médicos podem aconselhar os pacientes a evitar situações que desencadeiam crises, o que pode ser uma parte crucial do manejo da condição.
Além disso, a terapia genética emergiu como uma área promissora de pesquisa. Embora ainda esteja em estágios iniciais, a capacidade de modificar genes específicos que podem estar envolvidos na cefaleia em salvas oferece esperança para o desenvolvimento de tratamentos mais direcionados e eficazes. Essa abordagem personalizada pode representar um grande avanço no futuro do tratamento da cefaleia em salvas, proporcionando alívio aos pacientes de uma maneira que anteriormente era impensável. À medida que a pesquisa continua, é importante que os pacientes afetados e os profissionais de saúde acompanhem esses avanços emocionantes que podem mudar a vida de muitas pessoas que sofrem com essa condição debilitante.
FAQs – Perguntas Frequentes
1. A cefaleia em salvas tem cura?
A cefaleia em salvas não tem uma cura definitiva, mas existem tratamentos que podem aliviar os sintomas e prolongar os períodos de remissão.
2. Qual é o procedimento mais comum para tratar a cefaleia em salvas?
O bloqueio do nervo occipital e o bloqueio do gânglio esfenopalatino são os bloqueios para dor utilizados nesta condição.
A rizotomia por radiofrequência também é uma técnica minimamente invasiva que utiliza cânulas eletródicas que modulam a dor de forma térmica.
3.Quais são os riscos associados às cirurgias para cefaleia em salvas?
As cirurgia que envolve a neuroestimulação elétrica, como a neuroestimulação do nervo occipital apresenta como complições mais comuns a infecção da ferida operatórica e o sangramento no local do seu implante. Apesar de riscos baixos são as complicações cirúrgicas mais citadas na literatura.
4. A cefaleia em salvas é uma condição hereditária?
Embora a causa exata da cefaleia em salvas não seja totalmente compreendida, evidências sugerem que fatores genéticos podem desempenhar um papel na suscetibilidade à condição.
5. Quais são as perspectivas futuras para o tratamento da cefaleia em salvas?
As perspectivas futuras são promissoras, com pesquisas em andamento querem identificar marcadores genéticos para desenvolver novas tecnologias tanto medicamentosas como na área da neuromodulação, oferecendo esperança para tratamentos mais eficazes aos pacientes.
Fontes:
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