Estimulação Cerebral Profunda (DBS) no Tratamento da Paralisia Cerebral

 

A paralisia cerebral é uma condição neurológica que afeta o controle muscular e pode resultar de lesões no cérebro em desenvolvimento, muitas vezes ocorrendo durante a gestação ou no parto.

Embora incurável, diversas terapias têm sido desenvolvidas para melhorar a qualidade de vida das pessoas afetadas, especialmente para o tratamento de deformidades motoras, movimentos anormais e dor crônica.

Uma dessas terapias promissoras é a Estimulação Cerebral Profunda (DBS), uma intervenção que vem ganhando destaque no tratamento de diferentes distúrbios neurológicos.

 

Entendendo a Paralisia Cerebral

 

A paralisia cerebral é uma condição complexa que se manifesta de diferentes maneiras, dependendo da extensão e localização das lesões no cérebro.

São distúrbios permanentes que a afetam o desenvolvimento do movimento e da postura, causando limitação de atividade.  A Organização Mundial de Saúde define limitações de atividade como: “dificuldades que um indivíduo pode ter na execução de uma tarefa ou ação”.

As causas da paralisia cerebral são diversas e atribuídas qualquer alteração não progressiva, que ocorrida no cérebro fetal ou infantil em desenvolvimento.

Como, por exemplo um sangramento cerebral, uma infecção que afete o cérebro, a prematuridade extrema, ou mesmo a uma anóxia cerebral (uma falta de oxigenação cerebral momentânea devido alguma intercorrência clínica).

 

Quais são os sintomas da paralisia cerebral?

 

Os sintomas mais comuns incluem dificuldades motoras, falta de coordenação, rigidez muscular e problemas na articulação da fala. Essas dificuldades podem variar de leves a graves e podem afetar significativamente a capacidade da pessoa de realizar atividades cotidianas.

Além dos sintomas motores, a paralisia cerebral também pode estar associada ou não a alterações cognitivas, sensoriais e comportamentais.

Muitas pessoas com paralisia cerebral podem enfrentar dificuldades de aprendizado, problemas de visão ou audição, mas isso não é uma regra.

Essas questões adicionais ressaltam a complexidade da condição e a importância de abordagens terapêuticas abrangentes que levem em consideração todos os aspectos do funcionamento do indivíduo.

Quais são os padrões do movimento na paralisia cerebral?

Hoje, pode ser falar que existem diversos espectros dentro da paralisia cerebral, ou seja, cada paciente é único e, existe uma variedade imensa de alterações motoras localizadas ou generalizadas que os pacientes podem apresentar.

Se considerarmos o padrão do movimento, a grande maioria das pessoas com paralisia cerebral apresenta, espasticidade, em cerca de 85 % dos casos.

 Mas, existem outros padrões de movimento como a discinesia que corresponde a aproximadamente a 7 % dos casos.  As discinesias podem ser consideradas como padrão de atetose ou distonia.

Atualmente não se sabe se as distonias hipertônicas e hipercinéticas são variantes da mesma deficiência ou se são fenômenos de movimento diferentes. Ambos frequentemente coexistem no mesmo paciente em graus variados.

Conceitualmente, podemos dividi-las em:

Atetose na PC – apresenta padrão de hipotonia com hipercinesia caracterizada por movimentos involuntários e tempestuosos e pode estar associado com coreia.

Distonia na PC-apresentar padrão de movimento hipocinético envolvendo torção involuntária e anormal e posturas ou movimentos repetitivos com hipertonia. O tônus normalmente é flutuante.

Além disso, podemos encontrar também na PC padrões de movimentos menos frequentes como a Ataxia em 4% dos casos. A ataxia resulta em tremores com qualidade instável. Envolve uma perda de coordenação muscular onde os movimentos têm força, ritmo e precisão anormais.  Curiosamente existe uma proporção relativamente alta (24%-57%) de bebês com PC e ataxia com ressonância magnética do encéfalo normal;

E o padrão menos frequente encontrado na PC é a Hipotonia, cerca de 2% dos casos. É o subtipo motor menos comum.  Deve ser sempre excluído outros diagnósticos neurológicos de causas genéticas e metabólicas neste padrão.

Mas nem sempre é simples determinar o padrão de movimento que a pessoa com PC apresenta. Por exemplo, a hipertonia pode ser uma combinação de distonia, espasticidade, rigidez e contraturas articulares associadas.

A avaliação individualizada de cada pessoa com paralisia cerebral é essencial para o desenvolvimento de intervenções eficazes que melhorem a qualidade de vida e promovam a inclusão efetiva destas pessoas na sociedade.

 

Padrões de Distonia, como podemos classificar na prática?

 

Quando se fala em distonia englobamos diversas causas, dentre elas a PC. Uma forma de classificação da distonia divide a sua etiologia em: “herdada”, “adquirida” e “idiopática”. O conceito de distonia secundária se sobrepõe mais de perto à categoria de distonia “adquirida”, e a PC é uma das causas da distonia adquirida.

No entanto, a definição consensual de PC também inclui malformações cerebrais genéticas que são uma causa conhecida de distonia e, portanto, também poderíamos a classificar como uma forma de distonia “herdada”.

A PC discinética é consideravelmente mais prevalente do que a distonia primária mais comumente identificada associada a mutações no gene TOR1A/DYT1.

 

Distonia padrão móvel: com o tônus ​​variável, com movimentos hipercinéticos. Como a característica da distonia é que o tônus ​​ou a postura anormal são desencadeados ou piorados por tentativas de movimento voluntário, a distonia móvel incorpora a observação de que o tônus ​​pode ser normal ou diminuído quando o paciente está em repouso.

Distonia fixa: geralmente se refere a uma hipertonia invariável que não possui componentes hipercinéticos, onde o tônus ​​é relativamente inalterado, quer o paciente esteja tentando se mover ou não. É frequentemente observada em distúrbios psicogênicos do movimento ou quando há contratura articular ou outra limitação biomecânica do movimento. Em alguns casos, a bradicinesia grave pode mimetizar uma distonia fixa. A distonia fixa tem menor probabilidade de melhorar após a cirurgia de DBS.

 

O Papel da Estimulação Cerebral Profunda (DBS)

 

A Estimulação Cerebral Profunda (DBS) é uma técnica neurocirúrgica que envolve a implantação de eletrodos em áreas específicas do cérebro. Esses eletrodos são conectados a um dispositivo semelhante a um marca-passo, que gera impulsos elétricos controlados para modular a atividade cerebral. A DBS tem sido amplamente utilizada no tratamento de distúrbios como Parkinson, distonia e tremores essenciais, mas seu potencial na paralisia cerebral está sendo cada vez mais explorado.

 

Quando indicar o DBS na PC?

 

 

DBS é um procedimento neurocirúrgico eletivo indicado quando todas as opções médicas razoáveis ​​e apropriadas tenham sido esgotadas.  O que inclui o uso de medicamentos como levodopa, triexifenidil, gabapentina, clonazepam, baclofeno via oral e intratecal e injeções de neurotoxina botulínica.

Além disso, qualquer candidato a cirurgia de DBS com PC deve apresentam um estudo de Ressonância Magnética de Encéfalo que consiga avaliar de forma volumétrica a região do globo pálido interno e esta região deve ser anatomicamente preservada.

 

 

Benefícios da DBS no Tratamento da Paralisia Cerebral

 

O DBS é uma forma de neuromodulação; embora possa alterar certos padrões anormais de atividade neural, não pode compensar lesões estruturais permanentes ou outros déficits de informação e de função cerebral.

Sua maior eficácia ocorre no padrão de movimento discinético na PC, na qual a distonia é o comprometimento motor dominante.  Ao modular a atividade cerebral, a DBS pode ajudar a reduzir indiretamente a rigidez muscular, melhorar a coordenação motora e facilitar o movimento. Isso pode resultar em melhorias significativas na qualidade de vida e na independência funcional dos pacientes.

Embora não se espere que o DBS melhore a fraqueza, espasticidade, déficits de controle motor seletivo, ataxia, dispraxia ou deficiências não motoras, incluindo disfunção sensorial ou cognitiva.

Além disso, a DBS é reversível e ajustável, o que significa que os médicos podem adaptar a terapia de acordo com as necessidades individuais de cada paciente ao longo do tempo. Isso permite um tratamento mais personalizado e otimizado, maximizando os benefícios terapêuticos e minimizando os efeitos colaterais.

 

Como o procedimento de DBS é realizado?

 

Com o auxílio de um halo de estereotaxia, um suporte de metal inserido no crânio, no momento da cirurgia, podemos determinar coordenadas e definir o cálculo de trajetórias para o implante dos eletrodos. E após convergir as imagens da tomografia realizada como o halo com as imagens de ressonância magnética realizada na preparação para a cirurgia conseguimos determinar o melhor alvo anatômico para o implante e para a trajetória do eletrodo cerebral.

Uma possibilidade é a realização do procedimento sob anestesia geral, apenas utilizando o alvo anatômico para determinar a localização do Globo Pálido Interno. Com isso, não necessitamos utilizar os estímulos funcionais de microregistro com testes neurofisiológicos que necessitam o paciente acordado e colaborativo, como na cirurgia de DBS para a doença de Parkinson.

Após a inserção dos eletrodos, eles são conectados a extensões e, a um gerador de pulsos elétricos, o marca-passo. Este gerador geralmente é do modelo recarregável, como um aparelho de telefone celular, com isso, sua vida útil pode ser prolongada por mais tempo do que modelos não recarregáveis.

Ao todo são feitas duas incisões cirúrgicas no crânio no local onde são inseridos os eletrodos, uma incisão cirúrgica próximo a região retroauricular (atrás da orelha na porção superior), para a passagem das extensões e outra incisão cirúrgica no local da inserção do gerador, na região intraclavicular direita. Atualmente, um gerador apenas, consegue conectar dois eletrodos cerebrais e alimentar ambos concomitantemente.

Os possíveis efeitos colaterais da terapia de DBS incluem parestesias ou contrações musculares se a estimulação ao ser aumentada estiver próxima da cápsula interna, ou alterações visuais se a estimulação estiver próxima do nervo óptico.

 

Dúvidas frequentes sobre a cirurgia de DBS

 

Precisa cortar todo o cabelo para implantar um DBS?

 

Não é necessário obrigatoriamente o corte de todo o cabelo. É uma conduta individual de cada médico. Quando isso é realizado optamos por cortar o cabelo no dia da cirurgia e a equipe médica realiza o corte, para diminuir os riscos de possíveis infecções de pele.

 

Qual a complicação mais frequente após uma cirurgia de DBS em crianças?

 

A infecção é a complicação cirurgia mais temida na cirurgia de implante de DBS em crianças. Por isso a vigilância e o cuidado com as feridas operatórias no pós-operatório devem ser exaustivos.  Deve ser evitado coçar estas regiões e obviamente as feridas operatóricas devem ser mantidas limpas. Uma infecção no sistema do DBS pode levar a sua retirada, casos os sintomas infecciosos persistam mesmo com o uso de antibióticos.

 

Existe apenas um único material para realizar este procedimento?

 

Não é verdade, no Brasil existem pelo menos 4 marcas distintas autorizadas na Anvisa, três delas americanas e uma chinesa, que podem ser utilizadas para realizar este procedimento. O que variam entre as marcas são os tamanhos e as distâncias entre os contatos dos eletrodos, sua compatibilidade ou não com a realização de ressonância magnética ao longo da vida do paciente. Além disso, cada empresa apresenta uma tecnologia de programação diferente, inclusive uma delas pode realizar a programação a distância, ou seja, o paciente em um lugar o médico em outro, conectados apenas pelos dispositivos de programação.  O que não existe uma superioridade em relação a uma marca e relacao a outra marca em nenhum estudo.

 

Como são fixados os eletrodos no crânio?

 

Os eletrodos são fixados no crânio com dispositivos de fixação disponíveis pelos fabricantes ou pode ser fixado com uma cola de uso hospitalar chamada de Histoacryl. A fixação dos eletrodos é uma etapa muito importante do procedimento, pois o deslocamento de eletrodo inviabiliza uma resposta ao tratamento de forma adequada.

 

É possível ter uma vida normal após o implante de DBS?

 

Sim, é possível, porém os pacientes devem ter cuidados com o equipamento de uso domiciliar, o sistema de recarga, e o controle do paciente. O sistema de recarga serve para abastecer o gerador de pulsos quando este está descarregado e o controle do paciente serve para desligar o dispositivo, modificar algum parâmetro de programação, que o médico tenha liberado, ou mesmo colocar o DBS em modo Ressonância Magnética, quando o paciente necessita realizar algum exame ou  desligar o dispositivo,  para alguma cirurgia que use o bisturi elétrico necessite ser realizada.

 O paciente recebe, no momento do implante do sistema de DBS, informações e uma carteirinha de identificação de usuário de marca-passo.  Para que ele consiga transitar pelos bancos e aeroportos sem gerar inconvenientes.

 

 

Desafios e Limitações da DBS no Contexto da Paralisia Cerebral

 

Apesar de seus benefícios potenciais, a aplicação da DBS no tratamento da paralisia cerebral enfrenta vários desafios e limitações. Um dos principais desafios é a seleção adequada dos candidatos a essa terapia.

Nem todos os pacientes com paralisia cerebral podem se beneficiar da DBS, e é essencial identificar aqueles que têm maior probabilidade de responder positivamente ao tratamento.

Os melhores candidatos a esta terapia devem apresentar um exame de ressonância magnética sem alterações anatômicas no globo pálido interno, região onde geralmente são implantados os eletrodos cerebrais para a estimulação.

Além disso, diferentemente de outras terapias, são necessários ajustes na programação do dispositivo, durante as consultas médicas de pós-operatório.  Podem ser testadas mais de uma programação para avaliar qual melhora mais os sintomas distônicos do paciente.

Outra barreira a esta terapia é econômica. Não existe uma clara recomendação obrigatória de cobertura pelas operadoras de saúde para a terapia de DBS em pacientes com paralisia cerebral, que apresentem distonia generalizada refrataria as demais terapias.

Segundo a ANS apenas os pacientes com distonia de causa genética necessitariam deste tratamento de forma obrigatória.

Além disso, a cirurgia envolvida na implantação dos eletrodos pode apresentar riscos, como infecção, hemorragia e disfunção dos eletrodos. É importante que os pacientes e suas famílias estejam plenamente informados sobre os possíveis riscos e benefícios da DBS antes de optarem por essa forma de tratamento.

 

Perspectivas Futuras e Pesquisas em Andamento

 

Apesar dos desafios, a DBS continua sendo uma área de pesquisa ativa no contexto da paralisia cerebral. Estudos clínicos estão em andamento para avaliar a eficácia e a segurança dessa terapia em diferentes subgrupos de pacientes. Além disso, avanços na tecnologia de neuroestimulação estão possibilitando o desenvolvimento de dispositivos mais sofisticados e precisos, que podem melhorar ainda mais os resultados do tratamento.

Embora a cirurgia de DBS normalmente exija o esgotamento de todas as opções médicas apropriadas, os efeitos desconhecidos do uso prolongado de medicamentos anticolinérgicos ou sedativos durante o desenvolvimento da criança com PC levantam a possibilidade de que a cirurgia de DBS possa se tornar uma opção de tratamento de primeira linha em algumas crianças. Já Existem estudos que já sugerem que o DBS pode melhorar a função motora em pessoas com PC com um padrão de distonia ao movimento.

 

Considerações Finais

 

A Estimulação Cerebral Profunda (DBS) representa uma abordagem inovadora e promissora no tratamento da distonia causada pela paralisia cerebral. Embora ainda haja desafios a serem superados, os benefícios potenciais dessa terapia são significativos e podem oferecer esperança para pacientes e suas famílias. Com o avanço da pesquisa e da tecnologia, espera-se que a DBS se torne uma opção de tratamento cada vez mais acessível e eficaz para aqueles que vivem com paralisia cerebral.

 

Artigos sobre o assunto:

 

Bohn E, Goren K, Switzer L, Falck-Ytter Y, Fehlings D. Pharmacological and neurosurgical interventions for individuals with cerebral palsy and dystonia: a systematic review update and meta-analysis. Dev Med Child Neurol. 2021 Sep;63(9):1038-1050. doi: 10.1111/dmcn.14874. Epub 2021 Mar 27. PMID: 33772789; PMCID: PMC8451898.

McIntyre, Sarah; Morgan, Cathy; Walker, Karen; Novak, Iona (2011). Cerebral Palsy-Don’t Delay. Developmental Disabilities Research Reviews, 17(2), 114–129. doi:10.1002/ddrr.1106

Sanger TD. Deep brain stimulation for cerebral palsy: where are we now? Dev Med Child Neurol. 2020 Jan;62(1):28-33. doi: 10.1111/dmcn.14295. Epub 2019 Jun 18. PMID: 31211420.

te Velde A, Morgan C, Novak I, Tantsis E, Badawi N. Early Diagnosis and Classification of Cerebral Palsy: An Historical Perspective and Barriers to an Early Diagnosis. J Clin Med. 2019 Oct 3;8(10):1599. doi: 10.3390/jcm8101599. PMID: 31623303; PMCID: PMC6832653.

Picture of Dra. Giana Kühn
Dra. Giana Kühn
A Dra. Giana Flávia Kühn é uma neurocirurgiã especializada em neurocirurgia funcional e tratamento de dores crônicas. Dra. Giana se dedica a oferecer cuidados de alta qualidade utilizando técnicas avançadas e inovadoras. Com um compromisso constante com a atualização e o aprendizado, ela visa proporcionar alívio duradouro e melhorar a qualidade de vida de seus pacientes. Atualmente, atende em São Paulo, onde oferece um atendimento humanizado e personalizado.
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A Dra. Giana Flávia Kühn é uma neurocirurgiã especializada em neurocirurgia funcional e tratamento de dores crônicas. Dra. Giana se dedica a oferecer cuidados de alta qualidade utilizando técnicas avançadas e inovadoras. Com um compromisso constante com a atualização e o aprendizado, ela visa proporcionar alívio duradouro e melhorar a qualidade de vida de seus pacientes. Atualmente, atende em São Paulo, onde oferece um atendimento humanizado e personalizado.

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