A espasticidade é um problema comum em pacientes que apresentam lesão medular. Diversas causas etiológicas que podem gerar uma lesão medular:
A espasticidade é um problema comum em pacientes que apresentam lesão medular. Diversas causas etiológicas que podem gerar uma lesão medular:
- traumáticas (traumatismos raquimedulares)
- neurodegenerativas (como por exemplo a esclerose múltipla)
- degenerativas (causadas por alterações estruturais na coluna, como hernia de disco e artrose- gerando mielopatia)
- oncológicas (relacionadas a patologias benignas e malignas da coluna)
- Infecciosas
- Inflamatórias
Essa condição pode causar desconforto significativo e afetar a qualidade de vida desses pacientes. Recentemente, existe um interesse crescente na utilização da cannabis medicinal para controlar alterações musculares relacionadas ao movimento, como a espasticidade. Alguns estudos sobre o tema demonstram benefício do uso de produtos com canabinóides em sua composição, como por exemplo o canabidiol e THC em sua composição.
Uma breve introdução sobre lesão medular e espasticidade
A lesão medular pode afetar alguma porção da medula espinhal, levando a uma variedade de sintomas e complicações, incluindo a espasticidade. A espasticidade é caracterizada pelas contrações musculares involuntárias e rigidez, à medida que a velocidade do movimento do membro aumenta, tornando a execução do movimento muitas vezes dolorosa e desafiadora.
Pacientes que apresentam lesões medulares frequentemente necessitam opções de tratamento para aliviar a espasticidade e melhorar sua qualidade de vida.
Por que os pacientes podem apresentar espasticidade após uma lesão medular?
Esse cenário pode acontecer devido a uma série de mudanças complexas que ocorrem no sistema nervoso central como resultado da lesão. A espasticidade é uma resposta neurológica anormal que envolve uma hiperatividade dos músculos, resultando em contrações musculares involuntárias e rigidez. Também pode ser caracterizada como a lesão do primeiro neurônio motor, gerando uma resposta inadequada ao arco reflexo do movimento. Existem várias razões pelas quais isso pode ocorrer após uma lesão medular:
- Dano à Medula Espinhal: Uma lesão na medula espinhal interrompe as comunicações normais entre o cérebro e o resto do corpo. Isso pode levar a uma desregulação na transmissão de sinais nervosos que controlam os músculos, resultando em espasticidade.
- Descontrole da Excitação Neuronal: Após uma lesão medular, ocorrem mudanças na regulação dos neurônios motores. O sistema nervoso central não consegue mais inibir a excitação excessiva dos músculos, resultando em contrações musculares involuntárias.
- Perda de Inibição Neural: A lesão medular pode levar à perda da função de células que normalmente inibem a atividade muscular excessiva. Isso significa que os músculos podem contrair-se mais intensamente do que o desejado.
- Alterações no Tônus Muscular: O tônus muscular é o grau de tensão nos músculos quando estão em repouso. Após uma lesão medular, o tônus muscular pode aumentar, levando a uma sensação de rigidez e espasticidade.
- Alterações na Ativação Reflexa: Reflexos nervosos, como o reflexo patelar (no joelho) e o reflexo aquileu (no tornozelo), podem se tornar aumentados após uma lesão medular. A espasticidade esta associada a hiperreflexia e, algumas vezes, ao movimentar o membro lesado, também observamos o clônus, que se apresentam como uma serie de contrações reflexas involuntárias ocasionadas pelo estiramento súbito do musculo no ato do movimento. O clônus pode ser esgotável ou inesgotável.
- Reorganização Neural Anormal: Após uma lesão medular, o cérebro e a medula espinhal frequentemente tentam se adaptar à nova situação. Isso pode levar a uma reorganização neural anormal que resulta em espasticidade.
- Cicatrizes e Inflamação: A formação de cicatrizes no local da lesão e a inflamação associada também pode contribuir para a espasticidade, uma vez que interferem no funcionamento normal do sistema nervoso, quando presentes. Exames de imagem como a ressonância magnética podem ajudar a identificar estes achados.
A espasticidade é uma resposta complexa e multifatorial à lesão medular, e sua gravidade pode variar de paciente para paciente. Além disso, a espasticidade pode afetar diferentes músculos e grupos musculares, tornando o tratamento e o controle desafiadores. É por isso que muitos pacientes que enfrentam lesões medulares buscam um tratamento multidisciplinar, incluindo terapias físicas, medicamentos, uso de toxina botulínica, em alguns casos, a cannabis medicinal, como será abordado a seguir, para aliviar a espasticidade e melhorar sua qualidade de vida.
A Cannabis medicinal e seus componentes ativos
A cannabis medicinal tem sido estudada por suas propriedades terapêuticas, graças aos seus principais componentes ativos, os canabinoides. Os dois principais canabinoides de interesse são o THC (tetraidrocanabinol) e o CBD (canabidiol). O THC é conhecido por seus efeitos psicoativos, e sua maior ligação ao sistema nervoso central, enquanto o CBD é não psicoativo e possui propriedades anti-inflamatórias e relaxantes musculares.
Mecanismo de ação da cannabis na espasticidade
A espasticidade é o resultado de um desequilíbrio entre os sinais excitatórios e inibitórios no sistema nervoso central. Os canabinoides interagem com o sistema endocanabinoide do corpo, que desempenha um papel essencial na regulação da atividade neuronal. Eles podem ajudar a restaurar esse equilíbrio, reduzindo a hiperexcitabilidade dos neurônios motores e, assim, aliviando a espasticidade.
Estudos clínicos sobre cannabis e espasticidade pós-lesão medular
Vários estudos clínicos têm explorado os efeitos da cannabis medicinal no controle da espasticidade em pacientes pós-lesão medular. Embora os resultados variem, muitos deles sugerem que a cannabis pode ser eficaz na redução da espasticidade e no alívio dos sintomas associados. No entanto, é importante notar que a resposta à cannabis pode ser individual e que nem todos os pacientes experimentarão os mesmos benefícios.
Quando se fala sobre este assunto em específico, temos um maior número de publicações, comparativamente a outras patologias, e pesquisas relacionadas a canabis. Os estudos sobre a espasticidade se referem a pacientes com esclerose múltipla e paraplegia (lesão medular ocasionando perda de movimentos e sensibilidade em membros inferiores).
Os canabinoides citados nos estudos incluem as formas sintéticas, ou seja, medicamentos que tiveram suas moléculas aperfeiçoadas farmacologicamente e, também, produtos derivados dos fitocanabinoides. extraídos diretamente dos extratos e insumos da planta.
- Nabiximol: forma de canabinóide sintético, produzido em laboratório – conhecido como Sativex ® e registrado no Brasil como Mevatyl® . Apresenta Delta-9-Tetrahydrocannabinol/Cannabidiol- THC/ CBD em sua composição na proporção de 1:1 – forma de apresentação -spray de uso oral.
- Dronabinol (canabinoide ∆9-THC sintético- ou seja produzido em laboratório –sintético, foi aprovado em 1986 pelo FDA para tratamento antiemético para ser usado durante a quimioterapia).
- Produtos com THC/CBD : fitocanabinoides. Apresentação : óleos de uso oral.
Pacientes que fizeram o uso destas substâncias tiveram uma melhoria na escala de Ashworth (escala que gradua a espasticidade) em comparação com placebo. Quando se compara o resultado da soma dos resultados dos estudos de melhor qualidade cientifica, apenas o nabiximol (Mevatyl) alcançou significância estatística no controle da espasticidade (estudados apenas paciente com Esclerose Múltipla e Paraplegia de diversas causas).
A grande crítica são o limitado número de estudos encontrados com o dronabinol, o que não forneceu evidências suficientes para definir que os pacientes que o utilizaram apresentam uma melhora dos sintomas.
Formas de administração da cannabis medicinal
Produtos derivados da cannabis medicinal para o tratamento da espasticidade e dor crônica em pacientes com lesão medular pode ser administrada de várias maneiras: extratos de óleo, cápsulas, comestíveis como gomas e spray para uso oral. A escolha da forma de administração depende da doença do paciente e de seus objetivos terapêuticos. Além disso, diferentes formas de administração podem ter efeitos distintos na espasticidade.
No Brasil, o Mevatyl, é a único produto derivado de substâncias da planta Cannabis sativa, que pode ser chamado de medicamento. E apresenta apenas uma única indicação de bula, o tratamento da espasticidade para pacientes com Esclerose Múltipla com mais de 18 anos. O ‘’grau’’ de medicamento, é concedido pela Anvisa, reservado apenas para produtos que realizaram um maior número de pesquisas em pacientes, o que gera maior segurança e confiabilidade em relação aos efeitos colaterais e reações adversas a longo prazo. Ele consiste em uma Solução Spray THC 27 mg/ml + CBD 25 mg/ml que é administrado por via oral e não pode ser inalado. Infelizmente, a barreira do custo elevado e a restrição de ser utilizado em apenas uma doença específica, acaba limitando a quantidade de pacientes que o utilizam o Mevatyl.
Em termos práticos, utilizamos, inicialmente, produtos ricos em canabidiol com uma concentração menor de THC, e progressivamente aumentamos gradativamente para apresentações com maior concentração de THC. Pois, desta forma conseguimos menores chances de efeitos colaterais.
Vale ressaltar que a terapia com produtos derivados da cannabis apresentam custos elevados, quando comparados a outras terapias medicamentosas. O seu uso deve ser contínuo, por pelo menos 3 meses, e as doses devem ser ajustadas conforme os sintomas e possíveis efeitos colaterais pelo medico responsável por sua prescrição.
Considerações legais e médicas
Em muitos países, o uso de produtos que utilizam substâncias derivadas da planta cannabis é legal, desde que seja prescrita por um médico com formação sobre o assunto. No entanto, as leis variam de um lugar para outro, e os pacientes devem estar cientes das regulamentações em sua região. Além disso, é essencial que os pacientes discutam o uso de cannabis medicinal com seus médicos, para garantir que seja seguro e apropriado para o seu caso.
No Brasil, a forma inalada, fumada de qualquer produto que contenha THC ou CBD considerada ilícita e recreativa. Não sendo considerada tratamento médico. Cada país determina suas normativas, e o médico prescritor deve seguir essas recomendações técnicas.
Efeitos colaterais e precauções
Assim como qualquer medicamento, a cannabis medicinal pode ter efeitos colaterais. Os efeitos colaterais comuns incluem sonolência, boca seca, tontura e alterações no humor. Pacientes com histórico de transtornos psiquiátricos devem ter cuidado, pois o THC pode exacerbar essas condições. É crucial que os pacientes estejam cientes dos possíveis efeitos colaterais e que comuniquem qualquer preocupação ao seu médico.
Abordagens integrativas
A utilização da cannabis medicinal no controle da espasticidade de lesões medulares não deve ser considerado isoladamente como único tratamento. Muitos pacientes obtêm os melhores resultados quando a cannabis é combinada com outras abordagens terapêuticas, como outros medicamentos, fisioterapia, terapia ocupacional e reabilitação. Uma abordagem integrativa pode oferecer um tratamento mais abrangente e eficaz.
Perspectivas futuras
O estudo dos efeitos da cannabis no controle da espasticidade em pacientes pós- cirurgia de lesões medulares é um campo em constante evolução. À medida que novas pesquisas são realizadas e mais evidências são acumuladas, é possível que sejam desenvolvidos tratamentos mais personalizados e eficazes. Além disso, a crescente aceitação da cannabis medicinal em muitas partes do mundo pode levar a regulamentações mais favoráveis e um acesso mais amplo para pacientes que se beneficiariam com essa terapia.
A importância da pesquisa contínua
É essencial que a pesquisa nesse campo continue a avançar para fornecer informações claras e confiáveis sobre a eficácia e os riscos da cannabis medicinal no tratamento da espasticidade pós-lesão medular. Isso permitirá que médicos, pacientes e legisladores tomem decisões informadas sobre o uso da cannabis como parte de um plano de tratamento abrangente.
Considerações Finais
A espasticidade após uma lesão medular é um desafio significativo para muitos pacientes, afetando sua qualidade de vida e bem-estar. A cannabis medicinal, com seus componentes ativos, oferece uma opção terapêutica promissora no controle da espasticidade. Os canabinoides têm o potencial de aliviar a rigidez muscular e melhorar a função motora, proporcionando conforto aos pacientes.
No entanto, é fundamental abordar essa opção com responsabilidade, considerando as regulamentações locais e discutindo-a com profissionais de saúde. Além disso, a cannabis não deve ser considerada uma solução isolada, mas sim como parte de uma abordagem integrativa que inclui terapias complementares e reabilitação.
À medida que a pesquisa sobre os efeitos da cannabis medicinal no controle da espasticidade continua a evoluir, a esperança é que mais pacientes possam se beneficiar de tratamentos personalizados e eficazes. A compreensão crescente da ciência por trás da cannabis medicinal oferece promessas de melhorias na qualidade de vida para aqueles que enfrentam desafios após cirurgias de lesões medulares.
Em última análise, a decisão de usar a cannabis medicinal no controle da espasticidade deve ser tomada com base em evidências sólidas e em consulta com profissionais de saúde. Com o tempo, essa opção terapêutica pode se tornar ainda mais acessível e benéfica para aqueles que buscam alívio da espasticidade pós-lesão medular.
Fontes sobre o Assunto:
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