Quando falamos em pacientes neurocirúrgicos não podemos deixar de falar em pacientes oncológicos. Dentre os pacientes os tumores malignos do sistema nervoso central, o glioblastoma multiforme é o tumor mais comum e mais agressivo dos tumores cerebrais primários nos adultos.
O que é o Glioblastoma?
O glioblastoma (GBM) é o tumor cerebral primário maligno mais comum em adultos, com uma incidência estimada de 3,2 por 100.000 habitantes. Sua taxa de sobrevivência em 5 anos é menor que 6%, sendo considerado um tumor incurável.
Tal como acontece com outros tumores a incidência do GBM está a aumentando ao longo dos anos, apesar das terapias modernas, a sobrevida média global dos pacientes pós-diagnóstico é em média de cerca de 10-15 meses, um número que não muda há muitos anos.
A recorrência do tumor é quase inevitável após tratamento primário ideal com ressecção cirúrgica segura máxima seguida de radiação ± quimioterapia com temozolomida (temodal). As opções para GBM recorrente são limitadas e incluem quimioterapia com lomustina, temozolomida, reirradiação e nova ressecção cirúrgica.
Desta forma, novas estratégias de tratamento para a recorrência do GBM são necessárias e alvo de pesquisas dentro da oncologia neurológica ao longo dos anos.
Como a Cannabis Medicinal pode auxiliar pacientes com GBM?
Os possíveis efeitos dos medicamentos derivados da cannabis medicinal e os seus possíveis efeitos antitumorais nos pacientes com glioblastoma multiforme estão sendo estudados e existem pesquisas em andamento sobre o tema.
Embora estudos sugiram a desregulação dos receptores canabinóides e dos seus ligantes endógenos no câncer, os resultados até está data têm sido geralmente inconclusivos.
Os receptores canabinóides CB1 e CB2 são expressos em gliomas. A expressão de CB2 pode correlacionar-se positivamente com o grau tumoral, embora os níveis por imuno-histoquímica sejam heterogêneos, inclusive em tumores de grau IV (GBM).
Canabinóides específicos tem sido estudados em vários estudos pré -clínicos em gliomas com o objetivo de investigar os possíveis efeitos antitumorais, redução da proliferação das células tumorais, incluindo a morte das células cancerígenas.
Estudos preliminares em células tumorais de GBM mostram melhoram resultados em associação do CBD e THC, do que o uso isolado do THC, promovendo redução da proliferação de células tumorais.
As formas terapêuticas utilizadas nestes estudos são o Sativex® (CBD/THC 1:1): spray usado via oral chamado Nabiximol, aprovado no Brasil reduzir a espasticidade moderada a grave associada à esclerose múltipla, e produtos com THC e CBD derivados de folhas e flores de Cannabis sativa em uma proporção de aproximadamente 1: 1 com um excipiente etanol.
Esses dados, e outras descobertas de apoio, levaram à hipótese de que combinações de THC ou THC/CBD (incluindo o Sativex®) em combinação com temozolomida podem ter utilidade clínica potencial em pacientes com GBM.
Até o momento, existe apenas um estudo clínico randomizados controlado com poucos pacientes que utilizaram a temozolomida associada ao Sativex e parecem ter evidenciado melhora na sobrevida, porém os pacientes apresentaram altos índices de efeitos adversos associados ao tratamento, sem dose alvo estabelecida e tempo de tratamento definido.
Podemos utilizar Cannabis em pacientes com GBM?
Vale a pena ressaltar que o uso de Nabiximol ou outros produtos derivados da cannabis medicinal são considerados off-label, ou seja, não apresentam comprovação científica, necessitam de estudos de qualidade, que comprovem o controle tumoral em pacientes com glioblastoma multiforme.
Pesquisadores desaconselham e alertam sobre altos índices de efeitos adversos do seu uso associado aos quimioterápicos, pois a segurança do seu uso ainda não está estabelecida.
Apesar de promissor, o uso de produtos derivados da cannabis medicinal para controle de tumoral do glioblastoma multiforme não tem comprovação científica, é necessário analisar de mais estudos com um número maior de pacientes que, ainda estão em andamento, para iniciarmos o seu uso rotineiro com segurança.
Quais os possíveis efeitos colaterais do uso da Canabidiol associado ao THC, em pacientes com GBM, que estejam fazendo quimioterapia associada?
Entre os efeitos colaterais encontrados em estudos que utilizaram o Nabiximol, em dose entre 3-12 sprays/ dia, mais comum são: cansaço, tonturas, dores de cabeça, náuseas, vômitos.
Um dos grandes desafios encontrados nos estudos são encontrar a dose adequada, que em associação com os quimioterápicos, seja benéfica no controle tumoral associada e que não cause efeitos colaterais em proporções muito elevadas. A administração oral apresenta baixa biodisponibilidade devido à sua alta lipoafinidade dos canabinóides o que constitui um desafio para futuras pesquisas. Nos estudos não foram testadas formas inaladas do canabinóides.
Benefícios do uso da Cannabis Medicinal na Oncologia
O uso dos canabinóides, na oncologia, tem se mostra promissor no controle de sintomas como as náuseas e os vômitos. Suas propriedades polifarmacêuticas oferecem vantagens distintas sobre os tratamentos atuais e o seu uso complementar os tratamentos padrões têm sido interrogado. Além disso, os canabinóides já são amplamente utilizados para o controle de sintomas, nos tratamentos paliativos, em pacientes oncológicos.
O canabinóide THC é tema de diversos estudos, principalmente, o seu potencial uso no sistema nervoso central, em diversas patologias neurológicas, porém nem sempre os seus efeitos colaterais podem ser tolerados, sendo um desafio no manejo clínico dos pacientes neurológicos. Os efeitos psicoativos conhecidos do THC dificultam as suas aplicações médicas, em pacientes com potencial comprometimento cognitivo, devido à progressão da doença, principalmente em pacientes neuro oncológicos.
Canabigerol – Possíveis efeitos positivos em pacientes com GBM
O canabigerol (CBG) seria uma forma não tóxica do THC e, recentemente demonstrou exibir propriedades antitumorais em alguns carcinomas, e estudos sugerem que o seu uso, ao invés do THC, no tratamento do glioblastoma multiforme. O CBG está presente em quantidades muito baixas, inferiores a 10% da fração canabinóide na planta de cannabis, e, portanto, foi negligenciado durante décadas como composto médico.
No entanto, ainda não está claro como as vias de sinalização responsivas aos canabinóides interagem entre eles próprios, devido ao fato de poderem interagir com vários dos receptores e por diferentes modos de interação.
Um estudo com células tumorais de GBM mostraram que a combinação de CBG e CBD, cada um em concentrações subcitotóxicas, pode reduzir a viabilidade celular e aumentar a morte celular em proporção suficiente para substituir a aplicação de THC em estudos in vitro. Aventando a hipótese que formulações contendo THC possam não ser necessárias e que o CBG o poderia substituí-lo, o que seria benéfico em pacientes que não toleraram os efeitos do THC .
Estes efeitos são supostamente promissores. Faltam estudos em humanos, comparando as duas formulações, riscos e benefícios para serem comprovados. As doses e tempo de uso não foram determinados, necessitamos de mais estudos sobre o tema para definirmos os reais potenciais do seu uso rotineiro.
Considerações Finais
O GBM é um tipo de tumor cerebral que, infelizmente, não tem um potencial curativo, mesmo com o tratamento cirúrgico, quimioterápico e radioterápico adequados. Porém, podemos aumentar a expectativa de vida do pacientes associando estas terapias.
Os medicamentos extraídos da cannabis medicinal parecem apresentar possíveis efeitos promissores em diversos tipos de tumores, dentre eles o glioblastoma multiforme, embora não existem estudos, até o momento, com seres humanos e com grande número de pacientes para determinarmos doses, tempo de tratamento e possíveis efeitos colaterais a longo prazo associados a terapia quimioterápica padrão.
Podemos utilizar a cannabis medicinal para melhorarmos sintomas como dores neuropáticas, crises convulsivas, náuseas ou vômitos neste perfil de pacientes. Mas o seu uso deve ser , exclusivamente, para a melhora da qualidade de vida associado a outras estratégicas do cuidado assistencial paliativo.
Não existe, até o momento, comprovação científica que medicamentos derivados da Cannabis possam impactar na sobrevida livre da doença em pacientes com GBM.
Artigos sobre o assunto:
Doherty GJ, de Paula BHR. Cannabinoids in glioblastoma multiforme-hype or hope? Br J Cancer. 2021 Apr;124(8):1341-1343. doi: 10.1038/s41416-021-01265-5. Epub 2021 Feb 24. Erratum in: Br J Cancer. 2021 Aug 20;: PMID: 33623077; PMCID: PMC8039024.:
Kyriakou I, Yarandi N, Polycarpou E. Efficacy of cannabinoids against glioblastoma multiforme: A systematic review. Phytomedicine. 2021 Jul 15;88:153533. doi: 10.1016/j.phymed.2021.153533. Epub 2021 Mar 5. PMID: 33812759.
Lah TT, Novak M, Pena Almidon MA, Marinelli O, Žvar Baškovič B, Majc B, Mlinar M, Bošnjak R, Breznik B, Zomer R, Nabissi M. Cannabigerol Is a Potential Therapeutic Agent in a Novel Combined Therapy for Glioblastoma. Cells. 2021 Feb 5;10(2):340. doi: 10.3390/cells10020340. PMID: 33562819; PMCID: PMC7914500.
Twelves C, Sabel M, Checketts D, Miller S, Tayo B, Jove M, Brazil L, Short SC; GWCA1208 study group. A phase 1b randomised, placebo-controlled trial of nabiximols cannabinoid oromucosal spray with temozolomide in patients with recurrent glioblastoma. Br J Cancer. 2021 Apr;124(8):1379-1387. doi: 10.1038/s41416-021-01259-3. Epub 2021 Feb 24. PMID: 33623076; PMCID: PMC8039032.
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https://dragianakuhn.com.br/a-utilizacao-da-cannabis-medicinal-no-alivio-de-sintomas-oncologicos/