A fibromialgia (FM) é definida como uma síndrome que não apresenta uma doença de base bem definida como sua causadora. Se caracteriza como dor crônica difusa, que, geralmente, persiste por um período superior a 10 anos. É uma condição médica complexa e de difícil manejo e tratamento;
Tem uma prevalência global estimada de 2,7% e uma proporção de mulheres para homens de 3:1.
Pode ser definida como uma síndrome reumática não articular que se apresenta com dor musculoesquelética crônica com múltiplos pontos de dor corporal, quando pressão é aplicada.
A FM se apresenta como uma dor crônica que afeta, significativamente, a qualidade de vida dos pacientes, exigindo um cuidado da saúde aumentado e impactando negativamente nas relações interpessoais e na vida social dos que sofrem com esta doença. Está condição, altera a saúde física e emocional da mulher, e também afeta sua saúde sexual, pois está associada à fadiga, dor e distúrbios da libido, o que ocasiona disfunção sexual.
A definição do seu diagnóstico ajuda os pacientes a enfrentarem os seus sintomas, reduzindo assim a dúvida e o medo, que são os principais fatores psicológicos que contribuem para esse mecanismo perpetuação e amplificação da intesidade das suas manifestações clínicas.
O que causa a fibromialgia?
Diferentemente de outras patologias reumatológicas inflamatórias, a fibromialgia não aparece nos exames laboratoriais e nem nos exames de imagem convencionais. Apesar de poder estar relacionada a outras condições clínicas como: infecções, diabetes, distúrbios psiquiátricos ou neurológicos, patologias reumáticas, não está claro o que causa o seu aparecimento.
Existe uma relação da FM e a sensibilização central, que se manifesta por rigidez articular, dor crônica em múltiplos pontos dolorosos e sintomas sistêmicos, incluindo disfunção cognitiva, distúrbios do sono, ansiedade, fadiga e episódios depressivos.
Quais são os sintomas que o paciente com fibromialgia apresenta e como o médico faz o seu diagnóstico?
A Sociedade Americana de Reumatologia estabeleceu uma série de critérios diagnósticos como: a presença de dor musculoesquelética com duração superior a 3 meses, um mínimo de 11 pontos dolorosos ao toque (de um total de 18), bem como a adição de um índice de intensidade de sintomas que mede dor, sonolência e fadiga.
É comum que durante a consulta médica quando questionado pelo médico, o local específico da dor, o paciente fibromiálgico relate que apresenta uma ” dor no corpo todo”. O que não é uma inverdade, já que os pontos de dolorosos estão distribuídos ao longo da musculatura esquelética, o que faz com que o paciente descreva sua dor desta forma.
Os pontos dolorosos musculares, que são regiões do corpo que quando palpadas, no exame físico, causam uma dor fora do comum, nestes pacientes, sintomas não são justificados por uma anormalidade muscular ou inflamatória.
Até o momento, não existem testes específicos para a sua detecção, os exames laboratoriais e de imagem destes pacientes são normais, ou seja o diagnóstico de fibromialgia precisa excluir outras doença de origem reumatológica ou ortopédica para a sua confirmação.
Existem vários pontos dolorosos no corpo que podem ser pesquisados para o diagnóstico de fibromialgia e pela soma dos pontos dolorosos destas regiões podemos calcular o índice de dor difusa (conhecida pela sigla WPI). Está escala serve para orientar a intensidade dos sintomas e o quantitativo dos pontos dolorosos e ajuda a direcionar o tratamento da fibromialgia ao longo do tempo. O WPI varia de 0-19, se considera as regiões que o paciente teve dor muscular na última semana.
Os pontos dolorosos musculares pesquisados na FM são: região dos ombros, braços, antebraços, porção externa dos quadris, coxas, pernas, mandíbula – sempre bilateralmente , além de tórax, abdome, coluna cervical, dorsal e lombar.
Além disso, está associado na classificação, o escore de sintomas e da gravidade das dores musculares. A intensidade da dor é geralmente graduada de :
- 0: para ausência de dor no ponto doloroso pesquisado
- 1: dor leve
- 2: dor moderada
- 3: dor grave
Associado a intensidade e a localização da dor, também se leve em conta a fadiga (cansaço e fraqueza muscular)e distúrbios do humor e sono.
Os pacientes com FM frequentemente se apresentam além dos sintomas dolorosos:
- distúrbios do sono (90% dos pacientes) – sono não reparador;
- fadiga diária crônica (76%);
- sintomatologia depressiva (90%).
Quais doenças podem estar associadas a fibromialgia?
A FM tem sido associada a depressão maior, transtornos de humor, transtornos bipolares e de pânico, juntamente com dificuldades de enfrentamento e estigma social da doença.
O sofrimento doloroso gera desânimo psicológico, comportamento pessimista em frente ao quadro doloroso, má adaptação a dor e ao estresse, por isso todos os pacientes apresentam algum grau de depressão e ansiedade relacionadas a doença.
A FM é frequentemente associada a condições comórbidas, incluindo outras síndromes de sensibilidade central, como cefaleias primárias, síndrome do intestino irritável, síndrome da fadiga crônica, disfunção temporomandibular ou cistite intersticial. Além disso, a fibromialgia pode coexistir com doenças orgânicas, como artrite reumatoide, lúpus eritematoso sistêmico ou hipotireoidismo.
Como a Fibromialgia pode afetar a vida sexual da mulher?
A FM afeta diretamente a sexualidade feminina pois a fadiga e dor pode ocasionar problemas de lubrificação, limitação do movimento nos músculos do assoalho pélvico, desejo sexual hipoativo e além de distúrbios de autoimagem. As mulheres que apresentam FM, podem apresentar diminuição da libido, falta de receptividade e comportamentos de evitação sexual; com diminuição/ausência de relações sexuais e aumento do risco de rompimento de relacionamento.
A dor pode influenciar negativamente a frequência das relações sexuais e a capacidade de ter orgasmos. Esta situação é agravada pelos efeitos colaterais negativos do tratamento farmacológico, que aumentam muito os problemas descritos acima, efeitos dependentes da dose utilizada (quanto maior a dose de medicamentos, maior são os efeitos adversos relacionados a libido e a disfunção sexual).
https://dragianakuhn.com.br/medicamentos-para-dor-cronica-e-a-disfuncao-sexual/
Vários estudos concordam que a dor inibe o desejo e a satisfação sexual em comparação com mulheres saudáveis, e a disfunção sexual está essencialmente relacionada com a gravidade da dor no ato sexual. A dor parece estar associada a alterações no humor e sintomas de ansiedade em mulheres com FM . Mas a depressão também é uma causa comum de problemas de desejo e excitação neste perfil de pacientes.
A abordagem da doença também deve levar em conta o impacto da dor crônica em todos os aspectos da vida do paciente. Os médicos devem considerar como os tratamentos podem ser adaptados aos sintomas individuais, ponderando os benefícios e a aceitabilidade, ao prescrever medicamentos a pacientes com FM. Além disso, uma abordagem psicoterápica deve ser considerada sempre que os sintomas emocionais impactarem de maneira significativa nas relações interpessoais dos pacientes com FM.
Quais são os tratamentos disponíveis para a fibromialgia e qual a importância de cada um deles?
O tratamento da dor relacionada a fibromialgia deve avaliar de forma individualizada o estilo de vida de cada paciente, bem como, a adaptação dos pacientes aos medicamentos e as reabilitações físicas e comportamentais. A eficácia no controle dos sintomas depende de um tratamento completo, que englobe medicamentos, atividade física e cuidados de saúde mental.
O tratamento eficaz da FM é multidisciplinar e multiprofissional. Diversas áreas como: reumatologia, fisiatria, medicina da dor, psiquiatria, fisioterapia, psicologia, educação física e nutrição podem contribuir de forma positiva no controle dos sintomas. Apesar de ser um tratamento com a contribuição de vários especialistas, o paciente deve ter um médico da dor responsável pela condução do tratamento medicamentoso, direcionamento para as demais terapia, além do controle de crises, ao longo do seguimento.
Não existe tratamento da fibromialgia apenas medicamentoso. A atividade física , técnicas de relaxamento e alongamentos são essenciais para o controle dos sintomas. Cabe ao médico da dor orientar quais os profissionais, dependendo do estágio e da gravidade da patologia, são fundamentais para o seguimento de cada paciente. É fundamental que o paciente não desista de uma atividade física de rotina, mesmo que inicialmente, apresente aumento do desconforto doloroso.
Quais são os medicamentos utilizados no tratamento da Fibromialgia?
Dentre as terapias farmacológicas, a maioria dos medicamentos prescritos para o tratamento da FM envolve a classe dos antidepressivos: antidepressivos tricíclicos ( amitriptilina) , inibidores seletivos da recaptação da noradrenalina e da serotonina ( duloxetina) e inibidores seletivos da recaptação da serotonina ( fluoxetina). Mas outras classes de medicamentos podem ser associadas em conjunto: como os anticonvulsivantes gabapentinoides ( pregabalina), relaxantes musculares (ciclobenzapina).
Os anti-inflamatórios devem ser reservados para controle de crises agudas pontuais, e não devem ser utilizados continuamente, devido os riscos gastrointestinais, renais e cardiológicos envolvidos no seu uso crônico.
Os opoides ( fracos), frequentemente são utilizados no controle de crises dolorosas mais intensas, mas o seu uso deve ser evitado ou sua utilização deve ser realizada por um curto período de tempo, devido os riscos de dependência a longo prazo. O seu uso é recomentado no Brasil e na Europa. Existem repercussões negativas dos medicamentos opioides, como o Tramadol, na aptidão física e na atividade sexual das mulheres que o utilizam a longo prazo.
Os canabinoides, atualmente, tem sido considerados como uma alternativa aqueles pacientes que não respondem aos medicamentos convencionais ou não conseguem se adaptar ao seu uso. Porém não dispomos de estudos a longo prazo sobre sua utilização. No Canadá, sua utilização para o tratamento da FM é recomendada.
Os antidepressivos são comumente usados para o tratamento de diferentes tipos de dor crônica, incluindo a FM, embora seus graus de eficácia variem dependendo do tipo e dos mecanismos de ação do medicamento e da condição específica a ser tratada.
Amitriptilina : Pode ser utilizada no Tratamento da Fibromialgia?
A amitriptilina, antidepressivo tricíclico, é o medicamento mais estudado em relação aos outros antidepressivos, no tratamento da FM, e também é frequentemente usado como comparador ativo para avaliar a eficácia dos outros medicamentos no tratamento da doença. Tem propriedades no controle dos sintomas dolorosos, por sua ação anti-nociceptiva, além de efeitos relacionados a sua capacidade de se ligar aos transportadores de noradrenalina e serotonina, o que faz com que ele seja também eficaz no controle dos sintomas de depressão e ansiedade. O seu metabólito ativo é a nortriptilina.
Apesar de ser uma medicamento muito eficaz, nem sempre os pacientes toleram os seus efeitos colaterais: que inclui boca seca, constipação e hesitação urinária devido à atividade anticolinérgica periférica, sedação e sonolência, devido ao antagonismo do receptor histamina, e sonolência e hipotensão ortostática, devido ao antagonismo do receptor adrenérgico alfa 1. Deve ser evitado, sempre que possível, em pacientes idosos, devido o risco de quedas e sonolência relacionado ao seu uso.
A amitriptilina tem efeitos semelhantes aos da duloxetina, do milnaciprano e da pregabalina na melhoria da dor e da fadiga no tratamento da fibromialgia, ela é considerada medicamento de primeira linha no seu tratamento e deve ser considerada sempre que o paciente tolerar o seu uso.
Considerações sobre os medicamentos indicados para o tratamento da Fibromialgia
Indibidores da recaptação da serotonina e da noradrenalina também são amplamente utilizados no controle da doença. Sobre os estudos direcionados para a FM, a duloxetina e o milnaciprano apresentam o maior número deles, que evidenciam uma melhora na dor e além de uma melhora clínica percebida pelo paciente, diminuição da fadiga, do humor deprimido, ocasionando uma melhora global na qualidade de vida. Apesar dos dados positivos dos trabalhos, a percepção dos pacientes sobre a melhora destes sintomas foi que os medicamentos apresentaram efeitos pequenos na melhora da dor e que eles não apresentaram uma melhora substancial na fadiga, humor depressivo e qualidade de vida ao fazerem uso deles.
Na classe dos inibidores da recaptação da serotonina (ISRS), encontramos estudos relacionados ao tratamento da FM para os seguintes medicamentos: paroxetina, citalopram e fluoxetina. No entanto, os tamanhos dos efeitos foram pequenos para dor, depressão e qualidade de vida e, não substanciais para sono.
Alguns outros anti-depressivos também tem sido sugeridos para a sua utilização no tratamento da FM, como a desvenlafaxina e a mirtazapina, porém faltam estudos a longo prazo comparativos para determinar em quais fatores da doença eles impactariam.
Sobre os medicamentos gabapetinoides, são amplamente utilizados para o tratamento da dor crônica, apesar de, originalmente, serem anticonvulsivantes de classe. Tanto a gabapentina como a pregabalina podem ser utilizados no tratamento da fibromialgia. A pregabalina foi extensivamente estudada para o tratamento da fibromialgia, enquanto a gabapentina foi investigada apenas em um ensaio clínico. A pregabalina (e a gabapentina melhoram a dor, o sono e a qualidade de vida, mas não conseguem melhorar a depressão; Além disso, foram observadas melhorias na fadiga e na ansiedade.
A gabapentina, no Brasil, apresenta disponibilidade de distruição gratuita pelo SUS, nas fármacias de alto custo, das algumas secretarias estaduais de saúde, para os pacientes com diagnóstico de dor crônica. Para a sua prescrição, o médico deve fornecer questionário de dor crônica preeenchidos, conforme recomendação de cada secretaria, além da receita tipo C e do LME (laudo de medicamento de alto custo).
Nos Estados Unidos, o FDA recomenda o uso da duloxetina e a pregabalina no tratamento da fibromialgia. Apesar dos medicamentos auxiliarem em parte a intensidade dos sintomas, o tratamento farmacológico para a fibromialgia proporciona apenas alívio parcial da dor, fadiga, distúrbios do sono e sofrimento psicológico. A tratamento adequado desta condição envolve exercícios, alongamento, fisioterapia direcionada, além de psicoterapia e medidas de controle de crises individualizadas. O acolhimento deste paciente deve ser individualizado, sua aderência ao tratamento é fundamental e essencial para o controle dos sintomas.
Fontes:
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