O traumatismo cranioencefálico (TCE) é uma condição séria que afeta pessoas de todas as idades, mas quando se trata de idosos, há considerações especiais que demandam uma abordagem geriátrica cuidadosa.
À medida que a população idosa aumenta, os casos de lesão cerebral traumática em idosos também aumentam. Sabe-se que a curva de frequência do TCE por faixa etária tem dois picos: uma entre 15- 29 anos e uma entre os 65 -79 anos, nos jovens, dados ao aumento do número de acidentes automobilísticos, motociclísticos, ferimentos por arma branca e arma de fogo e, nos idosos, pelo aumento dos atropelamentos e das quedas. A causa das quedas pode estar intimamente associada à deterioração das funções físicas, incluindo funções visuais, auditivas e de equilíbrio ao longo do tempo.
O envelhecimento da população é uma realidade global, e com isso, surge a necessidade de compreender e gerenciar condições médicas específicas associadas aos idosos. O traumatismo cranioencefálico torna-se ainda mais preocupante, dado o aumento da incidência de quedas e acidentes em idades avançadas associada ao crescente aumento da morbidade e da mortalidade que essas injúrias cerebrais podem causar nesta faixa etária de idade.
O Que é Traumatismo Cranioencefálico (TCE)?
O traumatismo cranioencefálico é uma condição médica resultante de um impacto, golpe, ou movimento brusco que afeta o crânio, podendo causar lesões no cérebro. Essa lesão pode variar em gravidade, desde concussões leves até danos mais sérios e permanentes.
Quando um TCE pode ser grave?
Os fatores prognósticos do TCE incluem:
- História prévia de doenças médicas associadas : pacientes com limitação de mobilidade prévias ao TCE, doenças renais, cardiológicas, hepáticas. Uso de medicamentos anticoagulantes ou antiagregantes plaquetários.
- Múltiplas lesões traumáticas associadas ao TCE: lesoes em outras regiões como na coluna, tórax ou abdome.
- Pontuação na escala de coma de Glasgow (que varia de 3-15) : quanto menor mais grave o TCE.
Um TCE grave leva em consideração a gravidade da lesão cerebral, mecanismo de lesão, gravidade clínica do paciente.
TCE em idosos – quais as suas características?
Existem diversos fatores que podem contribuir para o aumento da frequência do TCE em idosos, como o aumento do volume do espaço subdural resultante da atrofia cerebral fisiológica desta idade.
O volume total do cérebro diminui gradualmente após os 35 anos de idade, em 0,2–0,5% ao ano. Aproximadamente, 6–11% da redução do volume cerebral ocorre por volta dos 60–80 anos de idade.
Os mecanismos compensatórios ao traumatismo cerebral nos idosos também são diferentes dos indivíduos mais jovens e podem contribuir para o agravamento destes eventos. A hiperemia/hiperperfusão tardia também pode ser uma característica do TCE em idosos, embora seus mecanismos não sejam totalmente compreendidos.
Além disso, terapias anticoagulantes e antiplaquetárias pré- lesão amplamente utilizadas podem estar associadas ao agravamento tardio, dificultando o manejo do TCE em idosos.
Tanto a sobrevida quanto a recuperação funcional são significativamente piores nos idosos em comparação com os pacientes mais jovens com TCE. Além disso, a duração da internação hospitalar é significativamente maior em idosos do que em pacientes mais jovens com TCE.
Quedas em idosos – Fator de Risco ao TCE:
Existem alguns fatores individuais nos idosos que estão associados a um maior risco de quedas e consequentemente a um risco maior de TCE. Destacam-se:
- Perda de massa muscular;
- Doenças articulares- osteoartrose;
- Disfunção cognitiva: demência;
- Desmaios: hipofunção cardíaca, hipotensão ortostática;
- Hemiparesia: acidente vascular cerebral;
- Alterações clínicas: anemia, hipoglicemia, hiponatremia;
- Medicamentos que causam sedação: opioides, antipsicóticos, ansiolíticos, hipnóticos, sedativos e antidepressivos;
- Medicamentos que causam hipotensão: anti-hipertensivos, diuréticos, agentes betabloqueadores, bloqueadores dos canais de cálcio, inibidores do sistema renina-angiotensina, antagonistas dos receptores alfa-adrenérgicos, agentes dopaminérgicos;
Quais são os tipos de TCE?
Concussão: Lesão cerebral temporária que geralmente resulta em sintomas como confusão, tontura e perda temporária de consciência.
Contusão: Danos físicos ao cérebro, frequentemente associados a hematomas e sangramento.
Lesão Axonal Difusa: Lesão nas fibras nervosas do cérebro, podendo levar a problemas de comunicação entre as células cerebrais.
Fratura Craniana: Ruptura nos ossos do crânio, que pode causar danos diretos ao cérebro como sangramentos dos vasos da dura-máter e hemorragias associadas.
Hemorragias intraparenquimatosas: sangramento no tecido cerebral organizado em uma determinada região, que podem se formar após uma contusão.
Hematoma subdural: sangramento que se encontra entre a dura-máter (membrana externa que envolve o tecido cerebral) e a pia-máter (membrana fina que esta aderida à superfície cortical cerebral. Pode ser crônico: ou seja, se formar gradativamente após pequenos traumatismos ou agudo, relacionado a traumas de maior energia ou traumas em pacientes utilizando anticoagulantes e outros medicamentos que predispõem a sangramentos.
Hematoma epidural: geralmente associado a fraturas cranianas, este tipo de hematoma fica entre o osso da calota craniana e a membrana da dura-máter. Não é uma forma frequente de achado tomográfico em idosos.
O exame de imagem de preferência no TCE, é a tomografia computadorizada de crânio sem contraste. Com ele conseguimos fazer o diagnostico dos achados acima. Nos idosos as hemorragias intraparenquimatosas e os hematomas subdurais são as lesões mais frequentemente encontradas.
Sintomas Comuns de TCE em Idosos: como identificar um TCE em um idoso?
Embora os sintomas de traumatismo cranioencefálico possam variar, especialmente em idosos, alguns sinais comuns incluem:
Confusão ou Desorientação: Dificuldade em compreender o ambiente ou situação;
Dores de Cabeça Persistente: Dor de cabeça que persiste ou piora ao longo do tempo;
Dificuldades de Equilíbrio e Coordenação: Problemas ao caminhar ou realizar atividades que exigem coordenação;
Alterações na Memória e Cognição: Dificuldades de concentração, esquecimento e alterações na capacidade de raciocínio que se iniciaram de forma abrupta;
Vômitos: Sintomas gastrointestinais podem indicar uma resposta do cérebro ao trauma;
Perda de força em um lado do corpo: hemiparesia ou hemiplegia.
Características Específicas do Traumatismo Cranioencefálico em Idosos
Fragilidade Óssea
Os ossos dos idosos tendem a ser mais frágeis devido à perda de densidade óssea, o que os torna mais suscetíveis a fraturas durante um TCE. Isso não apenas complica o tratamento, mas também prolonga o tempo de recuperação.
Sarcopenia – a perda de massa muscular
Idosos são mais predispostos fisiologicamente a perda de massa muscular ao longo dos anos, principalmente em pacientes sedentários. O TCE moderado e grave predispõe a um emagrecimento e uma necessidade calórica e proteica maior para sua reabilitação. Caso o paciente já apresente uma perda substancial da sua reserva muscular pode agravar e retardar a reabilitação motora após a uma injuria cerebral.
Comorbidades Preexistentes
Idosos frequentemente apresentam uma variedade de condições de saúde preexistentes, como diabetes, hipertensão e distúrbios cardíacos. Essas comorbidades podem complicar o quadro clínico e influenciar a abordagem terapêutica.
Declínio Cognitivo
O declínio cognitivo natural associado ao envelhecimento pode mascarar sintomas de TCE em idosos. A avaliação precisa tornar-se desafiadora, uma vez que os sinais clássicos podem ser obscurecidos por outras condições neurológicas.
Do ponto de vista da função fisiológica sistêmica, a disfunção cardiopulmonar subclínica causada pelo envelhecimento reduz a capacidade de reserva fisiológica sistêmica, bem como a tolerância ao estresse traumático, levando a lesões traumáticas secundárias associadas ao TCE.
Estratégias de Prevenção de acidentes e quedas em Idosos
A prevenção de quedas é fundamental na redução do risco de TCE em idosos. Programas de exercícios que visam fortalecer músculos e melhorar o equilíbrio podem ser implementados para promover a estabilidade física.
Modificações ambientais, como a remoção de tapetes escorregadios, instalação de corrimãos e adequação da iluminação, são medidas simples, mas eficazes, na criaçãode ambientes mais seguros para idosos.
Certos medicamentos podem aumentar o risco de quedas. Uma revisão regular da medicação pode ajudar a identificar e ajustar doses ou substituir medicamentos que contribuam para a instabilidade.
Diagnóstico e Avaliação Específicos para Idosos
Dada a complexidade da saúde do idoso, uma avaliação geriátrica abrangente é essencial. Isso inclui a avaliação não apenas do TCE, mas também das condições médicas preexistentes e do estado funcional global.
Dada a prevalência de declínio cognitivo em idosos, uma avaliação neuropsicológica detalhada é crucial para distinguir entre os efeitos do TCE e possíveis condições pré-existentes.
Abordagem Terapêutica Específica para a População Idosa
Gerenciamento Multidisciplinar
Uma abordagem multidisciplinar que envolva neurocirurgiões, geriatras, fisioterapeutas e outros profissionais de saúde é essencial para atender às diversas necessidades dos idosos após um TCE.
Reabilitação Personalizada
Programas de reabilitação devem ser adaptados às capacidades individuais dos idosos, levando em consideração não apenas a recuperação física, mas também a cognitiva.
Apoio Psicossocial
O suporte emocional é crucial durante o processo de recuperação. Intervenções psicossociais, incluindo a participação da família, podem desempenhar um papel vital na melhoria do bem-estar emocional dos idosos.
Incentivo à Pesquisa e Inovação Tecnológica
O estímulo à pesquisa e inovação tecnológica desempenha um papel crucial na melhoria contínua dos cuidados aos idosos com TCE. Investir em pesquisas que explorem novas abordagens terapêuticas, tecnologias assistivas e métodos de reabilitação inovadores pode impulsionar significativamente os resultados a longo prazo.
A alocação de recursos financeiros específicos para pesquisas geriátricas pode atrair profissionais dedicados a investigar as complexidades do traumatismo cranioencefálico em idosos. Esses investimentos são cruciais para impulsionar descobertas científicas e melhorar as práticas clínicas.
Colaborações entre setores público e privado podem catalisar a inovação tecnológica. Empresas e instituições acadêmicas podem unir forças para desenvolver soluções tecnológicas que melhorem a autonomia e a qualidade de vida dos idosos após um TCE.
Fontes sobre o assunto:
Karibe H, Hayashi T, Narisawa A, Kameyama M, Nakagawa A, Tominaga T. Clinical Characteristics and Outcome in Elderly Patients with Traumatic Brain Injury: For Establishment of Management Strategy. Neurol Med Chir (Tokyo). 2017 Aug 15;57(8):418-425. doi: 10.2176/nmc.st.2017-0058. Epub 2017 Jul 5. PMID: 28679968; PMCID: PMC5566701.