Avanços na Neuromodulação para Epilepsia: Como as Novas Tecnologias Estão Transformando o Tratamento

A epilepsia é uma condição neurológica que afeta milhões de pessoas em todo o mundo, caracterizada por crises recorrentes que podem ter um impacto significativo na qualidade de vida dos pacientes. Embora existam diversos tratamentos medicamentosos disponíveis, uma parcela significativa dos pacientes não responde adequadamente a essas terapias, o que leva à necessidade de outras opções terapêuticas.

A neuromodulação surge como uma abordagem promissora, utilizando tecnologias como a estimulação do nervo vago (VNS) e a estimulação cerebral profunda (DBS) para oferecer novas esperanças no controle das crises epilépticas.

O Papel da Neuromodulação no Tratamento da Epilepsia- quando está terapia deve ser indicada?

 

A neuromodulação envolve a aplicação de estímulos elétricos ou magnéticos a áreas específicas do sistema nervoso, com o objetivo de modificar a atividade neural e, assim, reduzir a frequência ou a gravidade das crises epilépticas. Essa abordagem tem se mostrado eficaz, especialmente em pacientes que não respondem bem aos tratamentos convencionais, conhecidos como epilepsia refratária.

O VNS é uma das técnicas de neuromodulação mais estudadas e aplicadas no tratamento da epilepsia. Ela envolve a implantação de um dispositivo que envia

impulsos elétricos ao nervo vago do lado esquerdo, um dos principais nervos que conecta o cérebro ao resto do corpo. Esses estímulos ajudam a regular a atividade cerebral e podem reduzir significativamente a ocorrência de crises em muitos pacientes.

Outro método de neuromodulação é o implante de DBS que envolve a implantação de eletrodos diretamente no cérebro. Esses eletrodos enviam estímulos elétricos a áreas específicas do cérebro, com o objetivo de controlar as crises epilépticas.

O DBS é geralmente considerado em casos de epilepsia refratária, que apresente preservação anatômica do núcleo anterior do tálamo, local do implante e que o VNS ou outras opções cirúrgicas não sejam possíveis ou não outras opções de tratamento não foram eficazes.

 

Quando uma epilepsia se torna refratária a medicamentos?

 

 

 

 

A grande maioria dos pacientes epilépticos consegue um controle dos sintomas, cerca de 70 % das pessoas. Outros, porém irão apresentam respostas diversas aos medicamentos.

Dos pacientes respondedores, uma parte deles o controle de crises ocorrerá no início do uso e de forma sustentada, e, uma porção das pessoas encontrará controle de sintomas sustentado, com o passar do tempo de uso dos fármacos anti-crises.

Mas existirá uma parcela das pessoas que apresentará períodos de controle de crises e períodos de recidiva da epilepsia. E outros que não conseguirão um controle de crises convulsivas de forma adequada, mesmo com o tratamento medicamentoso otimizado.

Conceitualmente, segundo a Liga Internacional de Epilepsia, uma epilepsia refratária é aquela que não foi controlada por duas classes de medicamentos, que foram adequadamente escolhidos, em dose adequada e que foram bem tolerados pelos pacientes ao longo do seu uso. Estes medicamentos podem ter sido utilizados em associação, em politerapia, ou em monoterapia, ou seja, utilizados um de cada vez.

 

Epilepsia sem crises controladas

 

É todo paciente que não consegue controle da frequência das suas crises por um período de 12 meses ou 3 x o maior intervalo da frequência das suas crises, o tempo que for maior entre estes dois períodos.

Por exemplo: se a frequência das suas crises é uma vez por mês, para você ter controle da sua epilepsia você deve ficar pelo menos de 12 meses sem crises convulsivas. Mas se a frequência de suas crises é uma crise a cada 6 meses, você deve ficar 6 meses multiplicado por 3 meses para ser considerado controlado das crises; 6×3:18, ou seja, deve ficar 18 meses sem crise para ter sua doença controlada.

 

O que é uma epilepsia refrataria?

 

Quando nos deparamos com uma epilepsia sem controle de sintomas com o tratamento adequado por no mínimo 2 anos de seguimento consideramos uma epilepsia refrataria.

 

Quais são as alternativas de tratamento de epilepsia refrataria?

 

Quando nos deparamos com epilepsias que não são controladas com medicamentos, devemos ponderar qual o melhor tratamento para cada paciente após uma investigação detalhada das crises, de preferência em centros de tratamento de epilepsia.

O controle das crises refratarias vai variar conforme o tratamento instituído, quando é possível localizar adequadamente a origem da crise no cérebro, as microcirurgias desconectivas ou que ressecam porções corticais apresentam resolutividade das crises de forma completa em cerca de 40-70% das vezes; e um controle maior que 50 % do número de crises em torno de 10-30% dos casos.

Em outros casos quando essas cirurgias não são possíveis, vamos ter que optar por novos medicamentos, dieta cetogênica, ou neuromodulação que apresentam uma possibilidade de controle completo de crises cerca de 5-10% das vezes, e presenta um controle maior que 50 % dos números de crises em torno de 40 – 50 % dos casos.

 

Quais são as estratégias cirúrgicas de neuromodulação para controle da Epilepsia e quando são indicadas?

 

Existem dois tipos de cirurgia de neuromodulação no Brasil que utilizamos no controle das crises convulsivas, elas são indicadas quando não existem indicação de outras modalidades cirúrgicas no tratamento da Epilepsia.

 A Estimulação do Nervo Vago- o VNS e o Implante de Eletrodo profundo- o DBS. A escolha entre cada método depende da apresentação das crises e da anatomia de cada paciente, e deve ser individualizado a depender do planejamento terapêutico.

Existem duas formas de utilizarmos a neuromodulação: em ‘’close loop’’ ou responsiva –estímulos do dispositivo são entregues baseado a uma mudança detectável relacionada a crise – por exemplo VNS Sentiva. Ou em open loop, estímulos dos dispositivos são entregues continuamente ou em programações em ciclo de tempo- VNS convencional ou DBS convencional.

 

Estimulação do Nervo Vago (VNS) o que é e para que tipo de epilepsia refrataria está indicado o seu uso?

 

 

 

 

A estimulação do nervo vago (VNS) tem sido um marco importante no tratamento da epilepsia, especialmente para pacientes com epilepsia refratária. A técnica foi aprovada pela primeira vez na década de 1990 para o tratamento adjuvante de adultos com crises focais e, desde então, o VNS foi aprovada para uso em crianças a partir dos quatro anos de idade e tem sido usado em milhares de pacientes ao redor do mundo. A  indicação atual do VNS é no controle de crises epilépticas em adultos e em crianças que não apresentem outras estratégias de tratamento cirúrgico.

O dispositivo de VNS é composto por dois componentes: o primeiro é o eletrodo com três contatos helicoidais e o segundo é o gerador de pulsos implantável. O VNS é implantado cirurgicamente no paciente, um eletrodo que se conecta ao redor do nervo vago, onde é realizado um corte cirúrgico no pescoço e, ele é alimentado por um gerador de pulsos, inserido cirurgicamente, na região infraclavicular.  Os impulsos elétricos enviados pelo dispositivo ao nervo vago são transmitidos ao cérebro, ajudando a regular a atividade elétrica anormal que causa as crises epilépticas. Estudos demonstram que muitos pacientes tratados com VNS experimentam uma redução significativa na frequência das crises, e em alguns casos, as crises são totalmente controladas, mas este tratamento não é considerado curativo.

Além da eficácia no controle das crises, o VNS também apresenta benefícios adicionais, como a melhoria no humor e na qualidade de vida dos pacientes. No entanto, a técnica não está isenta de efeitos colaterais, que podem incluir rouquidão, dor de garganta e alterações na voz, embora muitos desses efeitos sejam geralmente leves e transitórios.

Pode ser utilizado em adultos e em crianças, que apresentem epilepsia refrataria a mais de 2 medicamentos anticrise e que tenham sido avaliados adequadamente por uma neurologista ou neuropediatra com experiência em epilepsia, que não apresentem indicação de microcirurgia cerebral para controle de crises.

 

Estimulação Cerebral Profunda (DBS) para tratamento de Epilepsia como funciona?

 

A estimulação cerebral profunda (DBS) é outra técnica avançada de neuromodulação que tem se mostrado promissora no tratamento da epilepsia refratária. Ao contrário do VNS, o DBS envolve a implantação de eletrodos diretamente em áreas específicas do cérebro que são responsáveis pela geração de crises epilépticas, ou próximas a redes neuronais epileptogênicas. Esses eletrodos são conectados a um dispositivo gerador de pulsos, geralmente implantado no tórax, na região subcutânea, que envia impulsos elétricos ao cérebro para ajudar a regular a atividade neural.

Sua indicação se dá quando a região epileptogênica da crise não pode ser retirada por microcirurgia devido riscos de afetar áreas de linguagem ou memória, principalmente.

A neuromodulação com DBS na epilepsia, tem como objetivo inibir a propagação da atividade epileptiforme ao redor desta rede neuronal epileptogênica. Existem diversos alvos que podem ser inseridos os eletrodos de DBS. O alvo mais estudado é o núcleo anterior do tálamo.

 

Indicações de cirurgia de DBS em Epilepsia no Brasil?

 

Atualmente no Brasil, conforme a diretriz de utilização em saúde da agência nacional de saúde complementar- DUT número 38, a ANS, a cirurgia de DBS para epilepsia esta indicada apenas quando os pacientes não são bons respondedores a cirurgia de VNS.

Pacientes com epilepsia quando atestado pelo médico o preenchimento de todos os seguintes critérios:

  1. haja refratariedade ao tratamento medicamentoso;
  2. não haja indicação de ressecções corticais ou o paciente já tenha sido submetido a procedimentos ressectivos, sem sucesso;
  3. o paciente já tenha sido submetido à estimulação do nervo vago sem sucesso.

 

Alvos do DBS em Epilepsia – o que sabemos até agora?

 

DBS em epilepsia – implantado no Núcleo Anterior do Tálamo

 

Em adultos, o DBS é particularmente eficaz em casos de epilepsia focal, onde as crises se originam em uma área específica do cérebro. A precisão pelo DBS permite que os médicos direcionem os estímulos para as áreas exatas onde as crises são geradas, oferecendo um controle mais específico e potencialmente mais eficaz das crises.

As melhores evidências para a estimulação cerebral profunda (DBS) na epilepsia foram obtidas após o estudo SANTE, que avaliou o uso do DBS no núcleo anterior do tálamo (AN-DBS) em adultos com epilepsia focal resistente a medicamentos. Após 10 anos de acompanhamento, a AN-DBS continuou a demonstrar perfis favoráveis ​​de eficácia e segurança.

 

DBS em epilepsia- implantado no Núcleo Centro Mediano do Tálamo

 

Alvo apresenta grande conectividade com o córtex cerebral, sendo um alvo promissor para epilepsias generalizadas. Apesar da sua visualização anatômica seja estimada devido o seu tamanho e não claramente visível nos estudos de ressonância magnética, é possível localizar com base as coordenadas estreotáticas e das estruturas a ele adjacentes.

A síndrome de Lenox-Gastaut (SLG) é um dos fenótipos de epilepsia mais graves, associada a crises epilépticas resistentes a medicamentos e comprometimento cognitivo significativo. A estimulação cerebral profunda (DBS) dos núcleos centromedianos do tálamo (CM-DBS) em adultos é respaldada por evidências de alta qualidade para a síndrome de Lennox-Gastaut (LGS). Sendo um alvo a ser considerado em algumas condições.

 

DBS em epilepsia- implantado no Hipocampo (HIP- DBS)

 

O hipocampo é uma estrutura anatômica cerebral visível na ressonância magnética e muito estudada em neuroanatomia e em microcirurgia. O DBS, quando implantado no hipocampo, é uma forma de neuromodulação para o controle de crises convulsivas de lobo temporal.

Ao DBS de hipocampo pode ser uma alternativa cirúrgica quando não é possível fazer a cirurgia de epilepsia pode meio da ressecção da área epileptogênica, em casos de esclerose mesial temporal bilateral ou unilateral, com risco de lesão de área de memória, em pacientes com epilepsia do lobo temporal refratarias a medicamentos e que não são candidatos aos outros tratamentos cirúrgicos.

 

Outras formas de Neuromodulação em Epilepsia – RNS

 

O RNS – a Estimulação Neuroresponsiva é uma modalidade de neuromodulação para tratamento da epilepsia, que reconhece os padrões de crise e dispara estímulos para cessar as crises.  Os pacientes que a utilizam, devem ter sido submetidos a uma investigação detalhada das crises com o SEEG, Estereoencefalografia, quando implantamos eletrodos de investigação de crises em áreas cerebrais suspeitas de crise por estereotaxia, com uso de halo craniano. Este dispositivo é implantado no crânio, conectado a até 2 eletrodos específicos de captação de crises.

O RNS é aprovado nos Estados Unidos em pacientes com epilepsia, em pacientes acima dos 18 anos, com epilepsia refrataria do tipo focal, sem controle de sintomas com o uso de medicamentos, que apresentam dois focos de crises epileptogênicas, sendo que a crises devem ser incapacitantes e frequentes. Está tecnologia não é aprovada e disponível no Brasil até o momento.

 

DBS, VNS ou RNS na Epilepsia o que é melhor?

 

Na literatura atual todas as técnicas de neuromodulação apresentam resultados a longo prazo muito similares. Não existe, até o momento, um método superior ao outro, mas o que varia é a escolha do melhor método a depender do paciente que estamos avaliando.

Embora o DBS seja uma intervenção mais invasiva em comparação com o VNS, os avanços tecnológicos têm tornado o procedimento mais seguro e eficaz. Os dispositivos de neuromodulação são métodos modernos, que permitem ajustes personalizados na intensidade e na frequência dos estímulos, com base na resposta individual de cada paciente.

Isso não apenas melhora a eficácia do tratamento, mas também minimiza os efeitos colaterais, que podem incluir dor no local do implante, infecção e, em casos raros, sangramentos.

 

Inovações Futuras em Neuromodulação em Epilepsia

 

A área de neuromodulação para o tratamento da epilepsia continua a evoluir rapidamente, com novas inovações sendo desenvolvidas para melhorar a eficácia e a segurança dessas terapias. Entre as inovações mais promissoras estão os dispositivos de neuromodulação responsiva, que são capazes de monitorar a atividade cerebral em tempo real e ajustar automaticamente os estímulos elétricos com base na detecção precoce de uma crise iminente. Usar a máquina na interface cerebral, detectando estímulos epileptogênicos parece ser o caminho do futuro, e onde as pesquisas se direcionam.

Esses dispositivos, ainda em fase de estudo, têm o potencial de transformar o tratamento da epilepsia, oferecendo um controle ainda maior sobre as crises e, em muitos casos, eliminando-as completamente.  A colaboração entre engenheiros, neurologistas e cientistas de dados também está impulsionando o desenvolvimento de algoritmos de inteligência artificial (IA) que podem ajudar a prever crises e otimizar os parâmetros de estimulação. Esses avanços podem permitir que os tratamentos de neuromodulação sejam cada vez mais personalizados, oferecendo a cada paciente uma abordagem terapêutica sob medida.

 

Considerações Finais sobre a Neuromodulação em Epilepsia

 

Os avanços na neuromodulação têm revolucionado o tratamento da epilepsia, oferecendo novas esperanças para pacientes que sofrem com crises difíceis de controlar. Tanto a estimulação do nervo vago (VNS) quanto a estimulação cerebral profunda (DBS) têm se mostrado eficazes na redução da frequência e gravidade das crises, melhorando significativamente a qualidade de vida dos pacientes na nossa prática diária.

À medida que a tecnologia continua a evoluir, é provável que vejamos um aumento na eficácia e na personalização desses tratamentos, com inovações que podem transformar a neuromodulação em uma opção ainda mais viável para um número crescente de pacientes. Embora os desafios permaneçam, especialmente em termos de acesso e custo, o futuro da neuromodulação no tratamento da epilepsia parece promissor, oferecendo esperança a milhões de pessoas ao redor do mundo.

 

Referências sobre o assunto:

Liga brasileira de Epilepsia: https://epilepsia.org.br/

Aungaroon G. Does Deep Brain Stimulation Work in Lennox-Gastaut Syndrome? Well…it Depends. Epilepsy Curr. 2022 Apr 27;22(4):222-224. doi: 10.1177/15357597221098819. PMID: 36187143; PMCID: PMC9483756.

Gouveia FV, Warsi NM, Suresh H, Matin R, Ibrahim GM. Neurostimulation treatments for epilepsy: Deep brain stimulation, responsive neurostimulation and vagus nerve stimulation. Neurotherapeutics. 2024 Apr;21(3):e00308. doi: 10.1016/j.neurot.2023.e00308. Epub 2024 Jan 4. PMID: 38177025; PMCID: PMC11103217.

Mithani K, Niazi F, Suresh H, Alrumayyan Y, Rayco ER, Ochi A, Otsubo H, Kerr E, Breitbart S, LeBlanc-Millar A, Gadgil N, Raskin JS, Weil AG, Hadjinicolaou A, Iorio-Morin C, Weiss S, Jain P, Sham L, Donner E, Fasano A, Gorodetsky C, Ibrahim GM. Deep brain stimulation of the centromedian nucleus for drug-resistant epilepsy in children: Quality-of-life and functional outcomes from the CHILD-DBS registry. Epilepsia. 2025 Jul;66(7):2225-2238. doi: 10.1111/epi.18393. Epub 2025 Apr 1. PMID: 40167366; PMCID: PMC12291001.

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Dra. Giana Kühn
A Dra. Giana Flávia Kühn é uma neurocirurgiã especializada em neurocirurgia funcional e tratamento de dores crônicas. Dra. Giana se dedica a oferecer cuidados de alta qualidade utilizando técnicas avançadas e inovadoras. Com um compromisso constante com a atualização e o aprendizado, ela visa proporcionar alívio duradouro e melhorar a qualidade de vida de seus pacientes. Atualmente, atende em São Paulo, onde oferece um atendimento humanizado e personalizado.
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A Dra. Giana Flávia Kühn é uma neurocirurgiã especializada em neurocirurgia funcional e tratamento de dores crônicas. Dra. Giana se dedica a oferecer cuidados de alta qualidade utilizando técnicas avançadas e inovadoras. Com um compromisso constante com a atualização e o aprendizado, ela visa proporcionar alívio duradouro e melhorar a qualidade de vida de seus pacientes. Atualmente, atende em São Paulo, onde oferece um atendimento humanizado e personalizado.

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